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COLUNISTA
Sidney Borges
23/06/2004 - 14h39
Harvey
 
 

Noite fria. Ruas desertas. Entrei no Zero Grau para um conhaque. Ou dois. Quem sabe três. Sentado de frente para a rua contemplei o não movimento, tão perturbador quanto o movimento, apenas silencioso. Dois conhaques depois, com o terceiro a postos, notei alguém se aproximando.

Viajando entretido em meus pensamentos fiz de tudo para continuar só, em vão, o desconhecido chegou, pediu licença e sentou-se antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. Levantei a aba do boné para ter uma visão mais apurada. Pensei ter bebido além da conta.

Na minha frente estava sentado um panda gigante, olhando diretamente para os meus olhos e exibindo sorriso zombeteiro. Não é comum encontrar pandas gigantes nos bares de Ubatuba. Seguiu-se um breve silêncio rompido por mim, sóbrio pela adrenalina. Ele estava definitivamente instalado, seria inevitável nos apresentarmos, perguntei o seu nome. Harvey foi a resposta. Harvey não é o nome de um coelho?

Ele desconversou murmurando alguma coisa sobre um filme. Perguntei se gostaria de uma bebida. Aceitou conhaque. Depois de servido, começamos uma interessante conversa sobre o homem de Cro-Magnon. Falamos também de música, ele confessou gostar de Billie Hollyday e Chet Baker. Eu também.

Terminamos comentando o efeito estufa e o papel nefasto desempenhado pelos gases expelidos pelos rebanhos bovino e humano.

O papo prosseguiu até ele levantar-se dizendo que há muito tempo não tinha uma conversa tão agradável. Deixou vinte reais na mesa para os conhaques e foi-se embora, tão misteriosamente como chegou. Olhei as horas. Tínhamos conversado por quase três horas!

Desde esse dia, tenho ido quase todas as noites ao Zero Grau encontrar o meu amigo Harvey com o qual travo diálogos abrangentes sobre tudo. Ultimamente temos resolvido problemas de xadrez, do tipo mate em três lances.

Na noite passada, enquanto estávamos entretidos com o movimento do cavalo que redundaria em xeque, me dei conta que Harvey não é humano. Desde a primeira vez que nos encontramos, nossas conversas superaram qualquer barreira que pudesse existir entre dois seres pensantes. No entanto, de repente, caí na real, eu estava resolvendo problemas de xadrez num bar lotado, tendo como interlocutor um panda gigante que bebia conhaque e comia com delicadeza tortas de palmito, dedicando a elas grande apreço. Ousei perguntar:

- Harvey, o que o trouxe a esta cidade? Ele respondeu ter vindo de avião. Tornei a perguntar e ao mesmo tempo demonstrei estar de fato curioso.

- Sem brincadeiras Harvey, quero saber o que um panda tão talentoso como você faz aqui em Ubatuba?

- Você insiste em saber?

- Sim, gostaria muito, depois de tanto conversarmos eu o considero um amigo. É natural ter curiosidade pelas atividades dos amigos.

- Fico sensibilizado com a sua consideração. Tenho poucos amigos humanos, quase sempre eles tentam me vender para algum circo. Na verdade eu sou um mercador. Fui enviado para Ubatuba com a finalidade de distribuir agendas. Depois irei para Brasília, eles também precisam delas.

- Agendas? Qualquer papelaria vende agendas, algumas muito bonitas com fotos de praias ou de borboletas e textos do Mário Quintana no rodapé. Suas agendas são eletrônicas, atômicas ou alguma coisa do gênero?

- Não, são agendas de papel, bastante simples. Nelas não há fotos, apenas o dia e o espaço para serem anotados os compromissos.

- E qual é a vantagem de comprar uma agenda dessas? Aqui em Ubatuba você não precisa. Uma construtora dá agendas mais interessantes do que essas que você acabou de descrever. Acho que você embarcou em uma canoa furada. Vai voltar para a sua terra com a as agendas na mala.

- Na verdade, caro amigo, eu não vim aqui vender as agendas, vou distribuí-las para alguns políticos. Minhas agendas são mágicas, quem receber uma terá que cumprir os compromissos assumidos. Uma vontade irresistível vai se apossar de seu espírito fazendo com que cada palavra proferida, cada compromisso assumido seja fundamental para a continuidade da existência. A quebra da palavra significará a morte política, o ostracismo, o exílio moral, que é o pior dos exílios quando o homem percebe-se rejeitado em meio àqueles que antes lhe eram caros.

- Você já distribuiu alguma?

- Sim, todos os políticos já receberam. Agora se você me der licença, tenho de ir embora. Nos vemos amanhã?

Respondi que sim. Depois fiquei pensando na incrível confusão que haverá depois das eleições. No mínimo cinqüenta secretarias novas deverão ser criadas, tantas são as promessas dos candidatos. A todos eles oferecem o céu, como sempre fizeram e nunca entregaram, confiando na estupidez humana.

Mais uma vez estão repetindo as mesmas mentiras para os mesmos idiotas que nelas acreditaram e continuam acreditando. Desta vez, segundo Harvey terão de mudar a forma de agir. Sob pena de desaparecer do cenário político. É esperar para ver.


Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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