Pegou o filho na escola e, duas esquinas adiante, num sinal vermelho, foi abordada por um garoto que não podia ter mais de doze anos. Apavorada, entregou-lhe incontinenti a bolsa de compras, que se achava no banco do carona. No traseiro, sem demonstrar medo, Alvinho acompanhava a cena, fascinado com aquele revólver que parecia maior do que o pequeno assaltante. "Quero a grana também", disse este, apontando com o cano da arma para a carteira de dinheiro sobre o painel do carro. "Me desculpe", gemeu a mulher, atrapalhada, obedecendo-lhe. O sinal abriu, o garoto tinha sumido. Coração disparado, ela deu a partida, andou uns vinte metros, se tanto, e estacionou na calçada da delegacia de polícia. Na sala do delegado, alguém atrás de uma mesa comunicou-lhe: "O homem está no almoço. É coisa urgente?" "Fui assaltada...", disse Mônica, com um suspiro, e desabou numa poltrona rasgada e suja. Alvinho encostara-se na perna da mãe, olhando sério para o sujeito. "E onde foi isso?" "O senhor não vai acreditar..." "Pode apostar que sim", disse ele, sem perceber a própria ambigüidade. "Nesse sinal aí da esquina." "O Pirulito!", exclamou o funcionário, dando um tapa na testa. "Quem?!", estranhou Mônica, endireitando-se na poltrona. Alvinho lambeu os lábios. O homem explicou. Era o garoto que agia naquele sinal, esperto como deus-me-livre, e atrevido, bastante atrevido. Mas a verdade é que eles ainda não tinham encontrado um jeito de surpreendê-lo. Pirulito aparecia de lugar nenhum e sumia não se sabe por onde. Sem compreender muito bem a perplexidade da mulher, animou-se: "Quer dar uma olhada no livro de ocorrências, só com os assaltos dele?" "Não quero ver coisa alguma, meu senhor", respondeu Mônica, indignada, sem poder acreditar no que estava ouvindo. Então conheciam o assaltante-mirim e não faziam nada, deixando que ele agisse em plena luz do dia? "Mas se já lhe disse que o moleque é um azougue..." "Vamos embora, meu filho", resolveu ela, pegando Alvinho pela mão. Do lado de fora, viu uma lanchonete ali perto. "Quer beber uma água mineral com a mamãe?", perguntou à criança, lembrando-se que ainda tinha uns trocados no bolso da calça. Alvinho balançou a cabeça, assentindo, sem muito entusiasmo. Quando se viu servida, Mônica disse ao dono do bar: "O senhor já ouviu falar num tal de Pirulito?" O filho olhou para ela, ansioso. "Não vai me dizer que a senhora...", ia dizendo o homem, preocupado. "Exatamente", atalhou Mônica, afiada. "Esse garoto está deixando o pedaço em polvorosa. Ainda ontem..." "Ainda agora", corrigiu a mulher, sem paciência, sentindo-se de repente fora de lugar. "Será que não vêem", continuou, olhando na direção da delegacia de polícia, "que isso pode acabar numa tragédia? Um menino, meu Deus! Um menino que podia ser meu filho, com um revólver maior do que ele..." "É de brinquedo", interrompeu o dono do bar, tranqüilizando-a. "De brinquedo?!", disse a mulher, quase gritando, no auge da indignação. "Mas como sabem que é de brinquedo?" "O Abílio da loja de ferragens conhece ele." "E onde fica essa loja?", perguntou a outra, tendo uma idéia súbita. Era logo na esquina. Abílio fumava um cigarro atrás do balcão, apreciando a rua. "Me disseram que o senhor conhece o Pirulito", foi dizendo Mônica, sem preâmbulos, puxando pela mão um Alvinho já de saco cheio. "De vista", respondeu o caixeiro, defensivo. "Como sabe que o revólver dele é de brinquedo?" "Quem lhe disse isso?" "O dono da lanchonete." "A senhora também foi assaltada?" Mãos nas cadeiras, duas rugas riscando-lhe a testa, o filho abrindo e fechando as torneiras afixadas num mostruário de papelão. "Vou lhe contar uma coisa", começou a dizer o caixeiro, conspirativo, "mas espero que isto fique entre nós. Esse garoto é filho de um traficante violento, e acho que a polícia não quer problemas com a fera." Mônica estava boquiaberta. "Quanto ele levou da senhora?" "Eu tinha uns duzentos reais na carteira, mas não estou preocupada com o dinheiro. Estou é boba de ver o descaso da autoridade. Uma criança que pode acabar levando um tiro de um motorista mais afoito..." "Lá vai ele de novo!", gritou o caixeiro de repente, apontando na direção do sinal. "Pirulito! Pirulito!" O garoto parou no meio do caminho, enfiou o revólver na cintura e atravessou a rua. Entrou na loja. Mônica estava tensa, apertando a mão do filho. "Esta senhora aqui é gente boa, Pirulito", disse Abílio. "Não se lembra dela?" Tem um rosto de anjo, pensou Mônica, escondendo Alvinho atrás de si. "A bolsa de compras já era", gaguejou o molecote, coçando a cabeça, "mas se a senhora quiser o dinheiro..." Ela não queria nada. Disse apenas, emocionada, por falta de coisa melhor: "Não tem medo de arriscar-se por aí com uma arma de brinquedo?" "Sem sermão, madame. Se quiser o dinheiro..." Mônica o despachou. Ao voltar para o carro, ainda pensou em entrar novamente na delegacia, mas desistiu. Quando segurou Alvinho para colocá-lo no banco traseiro, não conseguiu reprimir as lágrimas e cobriu o filho de beijos.
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