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Opinião
09/07/2006 - 13h09
Porque não me ufano do meu país
João Luiz Mauad - MSM
 

Por princípio, sou rigorosamente avesso a qualquer tipo de manifestação coletivista, inclusive o patriotismo. Não dá para esquecer que essa praga foi responsável pela pior e mais degradante experiência que a humanidade já vivenciou: o nazismo.

As associações e outras formas de cooperação humana são extremamente necessárias, até mesmo para a sobrevivência da espécie. Ninguém há de negar que a fantástica evolução da humanidade está intimamente ligada aos mecanismos de divisão do trabalho. Entretanto, a primazia da liberdade impõe que as adesões a qualquer grupo ou organização social devam ser incondicionalmente voluntárias, jamais compulsórias. Dentre outras coisas, devemos ser livres para escolher os nossos amigos, a empresa onde vamos trabalhar, que clube freqüentar, o time de futebol, as instituições e pessoas com as quais colaborar.

Ninguém escolhe onde vai nascer. O torrão natal de um indivíduo é algo tão banal quanto fortuito para ser motivo de orgulho ou devoção. Concordo até que alguns povos possam celebrar os seus princípios, valores e tradições, mas discordo daqueles que enxergam vínculos telúricos ou raciais inelutáveis do indivíduo com um determinado lugar. Talvez por isso, não comungo desse sentimento de união patriótica que vejo impregnado na grande maioria das pessoas à minha volta, especialmente em tempos de copa do mundo.

Não consigo encarar outros homens como oponentes, nem tampouco, mesmo que eventualmente, considerá-los adversários somente porque nasceram alhures. Por conta de uma certa idiotia nacionalista, por exemplo, inculcada no espírito das pessoas durante gerações, cuja origem certamente foge à compreensão da maioria, brasileiros e argentinos carregam, até hoje, uma indisfarçável, inexplicável e improdutiva animosidade mútua.

Como qualquer liberal, enxergo as competições de maneira bastante positiva, tanto esportiva quanto intelectual, comercial ou empresarialmente. Porém, acho que elas devem restringir-se à esfera individual ou às associações e grupos de pessoas reunidas de forma voluntária, sem conotações de raça, nacionalidade, religião etc. Por isso, questiono a realização de torneios como a copa do mundo - com suas famigeradas entoações de hinos e hasteamentos de bandeiras -, que além de glorificarem um patriotismo as vezes exacerbado, também alimentam a mais estúpida xenofobia e, claro, divinizam o coletivismo em detrimento do indivíduo.

Em tempos de copa, a vida no Brasil ganha ares de tragicomédia. A começar pela mídia (principalmente de televisão), que ocupa a grande maioria do espaço com a cobertura do torneio, passando pelas repartições públicas e inúmeras empresas, que simplesmente decretam feriado em dias de jogos, chegando até ao Congresso da República que permanece às moscas por um mês inteiro, tudo leva o cidadão comum a pensar que estamos diante do acontecimento mais importante da face da terra. Tudo se dá como se a vitória fosse capaz de remir todas as mazelas e infortúnios, enquanto a (sempre inesperada) derrota imediatamente dispara o indefectível processo de caça às bruxas. Afinal, o sucesso é de todos, mas o revés será suportado por poucos.

Chega a ser patético como tantos cobram de tão poucos (a seleção) a responsabilidade pela "felicidade" coletiva e como estes, por sua vez, aceitam o encargo como algo natural; como se houvesse uma obrigação implícita; como se o fato de vestir uma camisa amarela, e não os seus esforços individuais, fosse a razão do sucesso de cada um dos que lá estão.

Quem já assistiu às comemorações e repercussões após as vitórias de atletas nacionais (não só em copas do mundo) sabe do que estou falando. É sempre como se o país tivesse ganho a medalha de ouro e não o indivíduo que dedicou-se com afinco, quem sabe durante uma vida inteira, para colocá-la no peito - muitas vezes sem que ninguém se interessasse por ele antes do triunfo. Exemplos não faltam: no dia 26/06, o Jornal O Globo estampava, numa de suas páginas esportivas, a seguinte manchete: "Brasil é ouro e prata nas areias suíças". Somente lá embaixo, em letras miúdas, ficamos sabendo os nomes dos quatro sujeitos - Ricardo, Emanuel, Márcio e Fábio Luiz - que alcançaram a façanha num torneio de vôlei de praia. A pergunta que fica é: será justo colocar os reais vencedores em segundo plano e transferir os méritos da vitória para a coletividade?

Não pretendo de forma alguma desmerecer os sentimentos patrióticos de quem quer que seja, mesmo porque costumo respeitar as escolhas de cada um (desde que, claro, elas não interfiram com a minha liberdade de pensar e agir diferente). No entanto, um pouco de racionalidade não faria mal a ninguém. Vejam o caso de Santos Dumont: é muito comum o raciocínio ufanista que associa a nacionalidade do Pai da Aviação aos seus inquestionáveis feitos. O fato de ter vivido em Paris desde os 17 anos parece ter-se tornado, cá por essas bandas, mero detalhe sem qualquer importância no seu currículo, ainda que somente na França ele tivesse entrado em contato com a mais moderna tecnologia da época, sem a qual nada do que fez teria sido possível.

O mundo seria, no mínimo, menos belicoso se as pessoas entendessem que o fato de nascer em determinado país não as torna, a priori, melhores ou piores do que ninguém. Ainda que o meio social exerça inegável influência no destino dos indivíduos, o que os diferencia, como ensinou Hume, são os atributos pessoais de cada um: energia, inteligência, autodisciplina, responsabilidade, talento, habilidade etc. Sempre que se quis pensar a humanidade com ênfase no coletivo, como se fôssemos formigas ou abelhas, os resultados foram catastróficos. Pode parecer utopia (dizem que todos têm a sua), mas espero que chegue o dia em que a globalização tornará obsoleto esse estranho conceito de pátria.


Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.

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