Todos somos iguais perante a lei, mas ninguém é mais maltratado por ela do que o proprietário de automóvel. Desde os tempos das carruagens e diligências, quem circula sobre rodas é alvo da cobiça de salteadores, bandoleiros, legisladores e criadores de tributos. Por isso, o tanque de combustível carrega mais imposto do que gasolina; o IPVA, rateado (o termo é bom) entre estados e municípios, tem alíquota extorsiva; inspeção veicular, habilitação, estacionamento, área azul, pedágios, flanelinhas, seguro obrigatório e facultativo, azuizinhos e tocaias coletoras de multas compõem um quadro assustador. Fora do veículo temos que batalhar pela nossa própria segurança. Mas se pisamos os pedais do carro, a lei dá impressão (só a impressão) de querer nos levar no colo e não no veículo. Você pode atravessar a cidade fazendo piruetas no corredor de um coletivo, mas se embarcar num automóvel deve trafegar afivelado ao banco. Até que o novo código dispensasse a exigência, estivemos obrigados a levar as cadeiras para a praia com os faróis do carro acessos. Chegaram a nos exigir, certa feita, a aquisição e o porte um estojo de primeiros socorros, com esparadrapo, gaze e tesourinha regulamentada, de ponta bem rombuda. E só por falta de imaginação ainda não nos é imposto o uso de óculos escuros para protegermos a vista em dias de muita claridade, ou de filtro solar no braço esquerdo, para proteger-nos dos raios UV e da debilidade da camada de ozônio (eu não devia estar sugerindo isso...). Por alguma estranha razão, podemos (se o volume de trânsito permitir) trafegar por quaisquer avenidas de nossas cidades a 60 km/h. Mas se enveredarmos por uma rodovia estadual ou federal, no meio do campo, sem ninguém por perto, a mais de 80 km/h, estamos fora da lei, sujeitos a pesada multa. Até hoje não encontrei quem me explicasse os motivos de tamanha desproporção. No meu carro, cercado pela lataria, com quatro airbags, eu devo usar cinto de segurança para ir à padaria. Mas os motociclistas, expostos ao ar sem bag, com as canelas à mostra, põem um capacete na cabeça e circulam com irrestrita liberdade. O mais absurdo, no entanto, é que dentro de um automóvel, até os dez anos de idade, as crianças só podem trafegar no banco de trás, afiveladas a um cinto de três pontos, mas na garupa de uma moto permite-se que sejam transportadas crianças a partir dos sete anos. Não estou pedindo que se suprimam todas essas exigências, embora algumas sejam obviamente desproporcionais. Apenas mostro que o automóvel, seu condutor e proprietário exercem uma particular atração sobre o pesado braço da lei. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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