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Opinião
16/07/2006 - 07h14
Corrida de obstáculos
João Luiz Mauad - MSM
 

Geraldo Alckmim, em visita a Portugal, disse que se eleito presidente pretende reestruturar o Estado brasileiro e reduzir a carga tributária do país em 10 pontos percentuais. Para tanto, vai propor soluções que reduzam e tornem mais eficientes os gastos públicos. Também tem falado, com alguma regularidade, da necessidade de reformas estruturais nas áreas trabalhista e previdenciária, bem como de iniciativas liberalizantes na economia.

Alvíssaras! São declarações que merecem os nossos mais efusivos aplausos. Não resta a menor dúvida que, entre todos os candidatos, o ex-governador de São Paulo é o mais bem preparado. Oxalá ele vença! Como seu futuro eleitor, no entanto, sinto-me compelido a alertá-lo para o fato de que há uma enorme diferença entre intenção e ação, planejamento e execução, especialmente quando tratamos de administração pública. É preciso que ele saiba que o seu caminho será espinhoso e cheio de obstáculos, cuja superação demandará uma boa dose de determinação. Haverá ocasiões em que o desânimo será tão devastador que suas forças parecerão esgotar-se. Nesses momentos, somente muita abnegação e convicções fortíssimas serão capazes de mantê-lo no rumo planejado, sem que se deixe cair nos braços confortáveis e acolhedores da mesmice.

A primeira e talvez mais árdua dificuldade está relacionada àquilo que, na falta de um termo melhor, chamarei de "inércia institucional". Toda vez que o governo assume uma determinada função ou atividade, surgem, inexorável e imediatamente, interesses corporativistas que passam a trabalhar pela sua perpetuação e expansão. Por isso, qualquer iniciativa que vise a diminuir o tamanho do Estado irá confrontar forças internas muito poderosas, pois é o próprio Estado, como instituição, quem deve limitar-se a si mesmo. São seus próprios agentes que devem encontrar os caminhos para reduzir os respectivos poderes. É fácil concluir que a tendência natural será justamente a inversa, visto que todo funcionário público estará propenso a atuar guiado, antes de tudo, por interesses individuais, tanto quanto qualquer ser humano normal. Nenhum político, chefe de repartição ou dirigente de empresa pública buscaria, deliberadamente, a redução do seu poder. Portanto, toda reforma desse tipo tropeçará no "paradoxo do auto-sacrifício", já que os encarregados da sua execução serão os menos interessados na sua eficácia.

Outro importante fator a considerar tem a ver com a presença na sociedade de grupos organizados que, em defesa de seus interesses, são capazes de exercer pressões políticas muito fortes, não raro desproporcionais em relação a seu peso político. Falo de federações de empresários que se acostumaram a viver das benesses do Estado - seja manipulando licitações para vender produtos e serviços, seja pressionando para a aprovação de leis de seu exclusivo interesse - e de sindicatos, comprometidos com a luta contra qualquer reforma trabalhista que flexibilize esse mercado. Isso sem mencionar as milhares de ONG’s e os ditos "movimentos sociais", senhores das mais disparatadas reivindicações. A bandeira de luta desses grupelhos poderá variar desde os famigerados "direitos adquiridos" até o impreciso e abstrato "interesse nacional", mas o objetivo real será, invariavelmente, a obtenção ou manutenção de privilégios para uns poucos, às custas do sacrifício da maioria.

A existência desses movimentos organizados acarreta um brutal desequilíbrio entre as reivindicações dos diversos segmentos da sociedade sobre os políticos e burocratas, desaguando numa forte tendência ao congelamento de regalias classistas. Essa assimetria entre interesses amplamente dispersos, de um lado, e ferozmente concentrados, do outro, pode ser percebida através de exemplos que se tornaram clássicos no Brasil:

Quantas vezes já vimos o cidadão comum sair às ruas para protestar contra um aumento desmesurado dos salários dos funcionários públicos, ainda que o custo da benesse recaia invariavelmente sobre o seu bolso? Eu, pelo menos, não me lembro de nenhuma. Por outro lado, os servidores, através de seus bem organizados sindicatos, são capazes de sustentar ações infindáveis em defesa de seus interesses. Outro exemplo? Consumidores x empresários protecionistas. Os primeiros, sem poder algum de pressão perante o governo, pagam preços altíssimos por bens que lhes custariam bem menos caso não houvesse um poderoso lobby, bancado pelos segundos, para a manutenção de tarifas e outras barreiras alfandegárias que visam a inibir a concorrência externa. Poderíamos encher uma página inteira citando conflitos de interesses onde impera tal assimetria, a imensa maioria deles envolvendo a classe dispersa e desorganizada dos contribuintes, em face de grupos infinitamente menores, porém altamente organizados. Mas como esse não é o nosso objetivo aqui, sigamos adiante.

O último fator a considerar, como obstáculo para qualquer reforma estrutural do Estado tem a ver com percepções, idéias e crenças que exercem um papel decisivo na formação da opinião pública e, conseqüentemente, na ação dos governos. Como é sabido, as decisões políticas não são pautadas somente pelos fatos e pelas avaliações racionais mas, também, senão principalmente, pelas paixões, mitos e fantasias coletivas.

No Brasil, o Estado transformou-se, graças à doutrinação gramsciana que aqui se desenvolve desde muito tempo atrás, num semi-deus, dotado de poderes quase divinos para solucionar todos os nossos problemas. Essa perversa cognição da realidade foi capaz de converter o verdadeiro algoz em benfeitor, sobre o qual são colocadas todas as esperanças e devoções. Não importa quão ineficiente, corrupto e perdulário ele se mostre, o cidadão comum (e ignorante) estará sempre disposto a perdoá-lo, desde que lhe acenem com os corriqueiros chavões e palavras de ordem tais como: "o resgate da cidadania, o fim das desigualdades, a justiça ou a inclusão social" e outras abobrinhas não menos ordinárias.

Nada do que acabamos de dizer pode ser desconsiderado por quem pretenda propor reformas e novas políticas que nos levem a Estados mais limitados, menos onerosos e intervencionistas. Ter isto em conta implica entender a resistência que sempre se levantará em face de quaisquer mudanças, o lento curso das ações, os eventuais retrocessos e as crises que se apresentarão inevitavelmente. Significa saber que, ainda que a opinião pública compreenda a sua conveniência, sempre haverá grupos de pessoas com profundos interesses que se oporão a esse objetivo. O bom administrador público deve estar plenamente consciente de que para levar adiante a árdua tarefa das reformas, é preciso abandonar o ingênuo voluntarismo e a visão simplista de sociedade. É necessário compreender as forças que nela atuam e os poderosos fatores que impulsionam o crescimento do Estado, para, a partir daí, abordar as ações sobre uma base mais sólida e mais eficiente.

E então, Governador? Mãos à obra?


Nota do Editor: O autor é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.

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