Era para ser um dia festivo. Celebravam os 60 anos de matrimônio do Avô Nery e da Avó Detinha. Uma união que orgulhava a cidade. Pode se dizer, a atração turística do lugar. Quando completaram 35 anos de casamento, o Avô Nery e a Avó Detinha montaram um consultório para atender casais em crise. Era em romaria. Centenas de ônibus levavam e traziam aquela gente toda. Corre à lenda que até o Presidente e a 1ª Dama aconselharam-se com o velho casal. Na fila para serem atendidos, tempo que variava de cinco a sete horas, o que mais se via eram casais discutindo, agredindo-se. Na saída do consultório ocorria o contrário, após serem aconselhados, ecoavam juras eternas de amor e muitos, mas muitos beijos. Por esses feitos, de reatar casais de forma milagrosa, o Avô Nery e a Avó Detinha já eram considerados santos. Fora as homenagens na Câmara de Vereadores, o casal ganhara uma escultura no centro da cidade. A Avó Detinha conta que o casal brigara uma única vez. Foi logo que casaram, e o Avô Nery urinara na tampa da privada. Não se falaram durante dois dias, pensaram até mesmo na separação. Desde então, depois de muita conversa, nunca mais discutiram, nem mesmo levantaram o tom de voz um ao outro. Por obra do destino, não tiveram nenhum filho. Todos os anos, mais precisamente no dia 4 de março, a cidade parava, e de dez anos para cá, fora decretado feriado municipal. Eis o dia em que ocorrera o saudoso casamento do Avô Nery e da Avó Detinha. A celebração do sexagésimo aniversário de matrimônio acontecera no parque municipal, reunindo toda a cidade. O prefeito discursava sob o sol escaldante das 16h00min, foi quando o avô Nery passou mal, desmaiou. Prestados os primeiros socorros, logo a ambulância chegou, levando-o para o pronto-socorro. Uma multidão aglomerou-se em frente ao hospital. Uma cena, apesar dos motivos, bonita de se assistir. Todos carregavam uma vela e o seu santo de devoção. Caiu a noite. O cântico Pai-Nosso ecoava. Foi então que às 02h00min da madrugada, a mórbida notícia chegou. O avô Nery falecera. O mais emotivo velório que se teve noticias ocorreu naquele nublado 5 de março. Após percorrer a cidade em cima do caminhão de bombeiros, o caixão fora levado para a igreja de Nossa Senhora Aparecida, na qual o Avô Nery era devoto. Milhares de pessoas vieram prestar a sua última homenagem. A Avó Detinha chorava incessantemente ao lado do caixão. Foi quando entrou por uma porta lateral da Igreja, exclusiva para parentes do Avô Nery, a Ritinha, sua sobrinha mais velha. Ingressou aos prantos, toda de preto, inclusive de véu. Todos silenciaram voltando os seus olhares a ela. Suas lamúrias "inundaram" o santuário. Questionou: - Por que o Avô Nery, meu Deus? Abraçou a Avó Detinha, e proferiu lacrimejando, em alto e bom som: - Avó Detinha! Não sofra tanto. Porque se Deus quiser, logo, logo a senhora vai estar junto do Avô Nery! Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é estudante de Jornalismo na Unisinos (RS). Faz matérias como free-lance. Escreve semanalmente, há um ano e meio, para o jornal Portal de Notícias e para o site www.sulmix.com.br. Suas crônicas têm como principal característica o humor.
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