O "Velho Guerreiro", Abelardo Barbosa, o Chacrinha, dizia, do alto da sua sabedoria: "Quem não se comunica, se estrumbica". O apresentador de rádio e televisão, tido e havido como o "papa da comunicação" durante um vasto período da vida brasileira, em especial quando o País amargava uma feroz ditadura militar, recomendava a simplicidade como a principal virtude para se fazer entendido por todos. E ele era simples... e entendido. A princípio, intelectuais torceram-lhe o nariz e tentaram ridicularizá-lo. Durante um certo tempo, recebeu o rótulo de "brega" e os seus "bordões" eram motivos de chacota. Finalmente, acabou se impondo. Chegou a ser tema de tese universitária. Chacrinha, no entanto, teve, ao que parece, poucos discípulos, a julgar pelo que se observa nos "comunicadores" atuais. Raras são as matérias jornalísticas acessíveis a todas as camadas da população. Jornalistas - experientes ou não - fazem, invariavelmente, jornais para eles mesmos e não para seus leitores. Arrotam erudição inútil e desnecessária, como se fosse isso que levasse o público a comprar esse importante produto cultural, mas não é. Aprendi muito cedo em minha vida a importância da comunicação. Nasci em uma comunidade fechada, de imigrantes russos, no interior do Rio Grande do Sul. Ainda menino, fui vítima da poliomielite, que me deixou totalmente paralisado. Como na região em que morava não houvesse recursos para a necessária recuperação, meus pais decidiram vir para São Paulo, onde havia melhores hospitais e grandes médicos, o que dava uma pequena esperança de que eu pudesse voltar a andar algum dia, mesmo que de muletas. Nos meus primeiros anos, nunca eu havia ouvido uma única palavra em português. A língua que aprendi a falar em casa era o russo. Era a forma de expressão dos meus pais, tios, avós, primos e colegas de infância. Chegando a São Paulo, fui imediatamente internado no Pavilhão Fernandinho Simonsen, da Santa Casa de Misericórdia. Os médicos concluíram que com duas ou três cirurgias e com intensa fisioterapia, eu recuperaria alguns movimentos. Poderia, por exemplo, voltar a sentar sozinho, a ter a totalidade de movimentos do braço esquerdo e as funções parciais da perna direita. Andar, achavam que apenas em cadeira de rodas. Enganaram-se. Como houvesse necessidade de uma longa permanência minha na cidade, meus pais tomaram a decisão de retornar ao Rio Grande do Sul, vender seus bens e mudar-se em definitivo para a Paulicéia. Deixaram-me internado e retornaram. Ocorre que eu não conhecia uma única palavra de português. Não havia maneiras de me comunicar com as enfermeiras ou com quem quer que fosse, a não ser através de sinais, raramente entendidos. E o pior: eu não os compreendia. Não entendia ninguém dos que partilhavam o quarto coletivo - com cerca de 30 leitos - comigo. Entrei em pânico. Sentia-me em outro planeta. Falava e os que me cercavam riam, como se eu houvesse contado a maior das anedotas. As pessoas com as quais convivia pareciam seres extraterrestres. Quando riam, eu não sabia porque estavam rindo. Quando se zangavam, me era impossível entender o motivo da zanga. Quando falavam, para mim não passava de um conjunto de grunhidos e sons absolutamente ininteligíveis. Para complicar, meu pânico fazia com que eu chorasse continuamente. E quanto mais chorava, mais sentia hostilidades ao meu redor. Adoeci. Perdi por completo o apetite, o que começou a me debilitar e, portanto, retardar as cirurgias que precisava fazer. Morria de saudades, principalmente dos meus pais e avós. Sentia-me solitário e queria conversar e brincar com alguém da minha idade. Mas não podia. Foi quando uma enfermeira, dona Irma, que era descendente de russos, teve uma brilhante idéia. Resolveu trazer sua mãe idosa, que falava a língua, para estabelecer uma ponte entre o menino aterrorizado e o ambiente que o cercava. A abnegada senhora permanecia o dia inteiro no quarto, atuando como minha intérprete. Simultaneamente, começou a ensinar-me algumas palavras de português. Em resumo, passados noventa dias, já era possível eu entender os que me cercavam e me fazer entendido por eles. Essa primeira internação - houve mais três - durou dois anos. Este foi o tempo necessário aos meus pais para que se desembaraçassem de suas propriedades no Rio Grande do Sul e reunissem meios para se mudar para São Paulo. Esta experiência ficou marcada para sempre na minha memória. Ainda hoje tenho pesadelos nos quais falo, falo e falo e ninguém me entende. Por isso, amo a língua portuguesa. Estudo-a todos os dias, como se desse estudo dependesse a minha vida (e na verdade depende). Sempre que me vejo tentado a me expressar de forma erudita, um pouco mais elaborada, soa uma campainha de alarme em meu cérebro. Minha ambição não é a de ter minha eventual cultura, ou meu suposto talento, reconhecidos por outros. É ser entendido por todos que conheço, pelos que não conheço e pelos que eventualmente vier a conhecer. Sei o quanto isso é importante. Afinal, senti na própria carne como a comunicação é fundamental na vida de qualquer pessoa. Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte . Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros "Por uma nova utopia" (ensaios políticos) e "Quadros de Natal" (contos).
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