Uma sociedade de cidadãos livres parte do princípio de que podemos e devemos primeiramente governar a nós mesmos, antes de tentar governar os demais, regra que faz parte de nossos próprios atributos de pessoas humanas. A palavra "livre", nesse tipo de sociedade, não se refere à liberdade para fazer tudo o que tivermos vontade de fazer, não importando o que seja, mas a uma disposição interior e um hábito adquirido, com o qual nos empenhamos para fazer o que é certo, valoroso e nobre. O propósito essencial da educação liberal é precisamente nos permitir ser livres para governar, partilhar e conhecer - governar a nós mesmos, partilhar nosso conhecimento e ações com os demais e conhecer a verdade das coisas, tanto aquelas dos homens como as divinas. Por isso, nossos propósitos precisam ser moralmente bons. Traficantes, ladrões, políticos corruptos e quadrilheiros são, na maioria das vezes, "disciplinados", no sentido de agirem para alcançar objetivos indignos. Portanto, é preciso saber discernir entre bons e maus propósitos. Mas é difícil distinguir o que é um objetivo nobre, se primeiramente não formos conduzidos e habituados de modo apropriado, o que requer educação, esforço, escolha e experimentação, em um processo de erros e tentativas. E isto começa, necessariamente, pela família, queiramos ou não. A família constitui, efetivamente, uma comunidade de amor e solidariedade, insubstituível para o ensino e a transmissão dos valores culturais, éticos, sociais e espirituais, essenciais para o desenvolvimento e bem-estar de seus próprios membros e da sociedade. Com a obra educativa, a família forma o homem para a plenitude da sua dignidade pessoal, segundo todas as suas dimensões, inclusive a social. Em sua missão educativa, a família contribui para o bem comum e constitui a primeira fonte das virtudes individuais e sociais. As pessoas são ajudadas, em família, a crescer na liberdade e na responsabilidade, requisitos indispensáveis para assumir qualquer tarefa na sociedade. Com a educação, ademais, são ensinados, para serem assimilados e apropriados por cada um, os valores fundamentais, absolutamente necessários para a formação de cidadãos livres, trabalhadores, dedicados, responsáveis e honestos. João Paulo II, na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, de 1982, já fazia notar que a família tem um papel todo original e insubstituível na educação dos filhos. O direito-dever dos pais de educar a prole se qualifica como essencial, por estar ligado à transmissão da vida humana; como original e primário, pela relação de amor que subsiste entre pais e filhos; e como insubstituível e inalienável, e, portanto, não delegável totalmente a outros - inclusive ao Estado - ou por eles usurpável. Os pais, porém, são os primeiros, mas não os únicos educadores de seus filhos. Compete-lhes exercer com sentido de responsabilidade a sua obra educativa, em colaboração estreita e vigilante com os demais; o direito de escolher os instrumentos formativos correspondentes às próprias convicções e de buscar os meios que possam ajudá-los da melhor maneira na sua tarefa de educadores, mesmo no âmbito espiritual e religioso. As autoridades públicas têm o dever de garantir tal direito e de assegurar as condições concretas que permitem o seu exercício, o que mostra a relevância da colaboração entre a família, as escolas e o restante do sistema ético, social e cultural. Quando a instituição da família se enfraquece, é evidente que não se pode esperar muito do sistema educacional, porque o Estado - mesmo se admitirmos a hipótese, remotíssima, de que aja sempre na mais pura das intenções -, não tem, por definição, condições para exercer as funções naturalmente inerentes à família, com todos os seus desdobramentos. Daí a importância da valorização da família no processo educacional e, por conseguinte, no desenvolvimento individual e social. Nota do Editor: Ubiratan Iorio é Doutor em Economia pela EPGE/FGV. É Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ e Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP), Professor Adjunto do Departamento de Análise Econômica da FCE/UERJ, do Mestrado do IBMEC, Fundação Getulio Vargas e da PUC/RJ. É escritor com dezenas de artigos publicados em jornais e revistas.
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