É sempre com certa nostalgia que assisto ao Jornal Hoje, da Globo. Por causa da apresentadora, a simpática e competente Sandra Annenberg. Acontece que ela é muito parecida com a mãe, Débora, que namorei na aurora da minha vida. Nunca fui exatamente um Don Juan, mas o meu acervo de namoradas não era pequeno. Raramente as vejo, o que talvez seja melhor; o tempo nunca é muito clemente com as pessoas, e é melhor a gente lembrar as namoradas como as meninas lindas que foram um dia (e deixar que elas nos lembrem da mesma saudosa maneira). Mas e se por acaso eu as encontrasse? Mais que isto, se eu as encontrasse reunidas em um lugar qualquer? Possibilidade remota, mas posso, num acesso de arrogância e de ego hipertrofiado, imaginá-las numa espécie de simpósio, em que elas comparariam suas experiências, apresentando papers do tipo: "MS: análise de desempenho". Este conclave se prolongaria, quero crer (quero ardentemente crer) por alguns dias, e terminaria com um documento final, contendo as conclusões destas ex-namoradas. E que conclusões seriam estas? Não tenho a menor idéia. Os anos passam, descobrimos coisas a nosso respeito, mas certamente as pessoas que nos conhecem ou nos conheceram sabem muitas outras coisas que ignoramos. E que não temos como descobrir. Quando nos olhamos no espelho temos diante de nós a nossa imagem, mas refletida numa superfície muda e fria, que nunca nos dirá o que realmente queremos saber. Ou podemos passar pela psicanálise, que é antes de mais nada um processo de autoconhecimento, mas, de novo, ali somos a única fonte de informação. A verdade é que temos uma dupla existência, a nossa própria vida que pode não ser, como definia o pessimista filósofo Thomas Hobbes, "solitária, carente, desagradável, brutal e curta", mas que é necessariamente limitada, em termos de duração e de amplitude emocional; e temos a vida que partilhamos com os outros, as pessoas a quem entregamos nossos afetos, nossas emoções. Ou seja, o simpósio das antigas namoradas poderia nos revelar muitas coisas. Mas será que queremos saber dessas coisas? Talvez não. Talvez o simpósio equivalha, ao fim e ao cabo, num tribunal cujo enigmático júri (sim, porque depois de alguns anos as antigas namoradas são um enigma e bem podem funcionar como juradas) nos condenará ou nos absolverá, mas nada nos explicará. Acho que não precisamos deste veredicto. Nem dos papers. Quem sabe nem mesmo das fotografias. Precisamos, sim, do amor que incorporamos, e que agora é parte de nossa pessoa. Precisamos elaborar as lembranças do passado. E precisamos, sobretudo, da namorada que, em algum momento, se transformou na companheira de nossa vida e que resume, em seu sorriso todos os sorrisos, e que resume em seu abraço todos os abraços.
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