Na sua coluna em O Globo, em 25/6/2006, Míriam Leitão chama a atenção para um ponto extremamente importante. Muitos que votaram em Lula na eleição passada, estão arrependidos, mas também descrentes de qualquer outro candidato. Nesta condição, andam dizendo por aí que vão anular seu voto. Acham que, com isto, manifestarão seu protesto contra "tudo o que está aí", mas o resultado será o contrário do que pretendem. Caso votem nulo de fato, estarão votando a favor do candidato que está na frente das pesquisas, que no caso é Lulla. Como observa muito bem a referida articulista:

"Pela metodologia das eleições, ganha no primeiro turno uma eleição para cargo executivo quem tem 50% mais um dos votos válidos. E o cálculo do voto válido é feito descontando-se os nulos e brancos. Quanto mais nulo e mais branco, mais fácil é para o candidato que está na frente chegar ao percentual requerido e ir mais cedo para a festa da vitória. Tem muita gente sem opção e essa é uma aflição verdadeira, mas o voto nulo é o que é: um voto a favor do favorito."

Pretendo fazer uma coisa e fazendo o contrário do que pretendem ou dizendo uma coisa e fazendo justamente o contrário do que dizem, assim procede a maioria dos brasileiros. E Míriam Leitão chega a uma conclusão contundente, porém corretíssima: "O Brasil é o país da dissonância cognitiva. Ele se vê de maneira diferente do que é, em questões imediatas e nas mais profundas."

Faça-se uma pesquisa e ver-se-á que 90% dos entrevistados - pessoas comuns e dirigentes de empresas - se mostrarão totalmente a favor da preservação do meio-ambiente, mas na prática a teoria é outra: não perdem nenhuma oportunidade para poluir a natureza e destruir reservas florestais. Faça-se outra pesquisa e ver-se-á que 90% dos entrevistados são a favor da paz, mas na prática a teoria é outra: são capazes de se matar pelo mais banal motivo; numa discussão causada por um problema de trânsito, por exemplo.

Em síntese: o povo brasileiro - em todas as classes sociais - além de ser muito ignorante e ter um verdadeiro horror do conhecimento, tem uma extrema dificuldade em se enxergar. Não é de admirar, portanto, que milhões de brasileiros se identifiquem com Lula. Nunca foi tão oportuno dizer que cada povo tem o governante que merece.

APÊNDICE I: UMA QUESTÃO DE LÓGICA ELEMENTAR

Acompanhe meu raciocínio, prezado leitor: Quem vota nulo, vota no candidato que está frente. Ora quem vota no candidato que está na frente, vota de acordo com a opinião maioria, sem pensar por um segundo. Quem vota de acordo com a opinião da maioria, sem pensar um segundo, é um Maria-vai-com-as-outras. Estou certo que este não é o caso do prezado leitor, que pensa com sua própria cabeça. Ou não?

Nota do Editor: Mario Guerreiro é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).