Barzinho qualquer da Vila Madalena. Mesa de bar animada. Cervejas. Som alto. Muvuca. O menino aproxima-se. Olhar baixo. Caixa de balas. Menino choraminga: tio, compra uma bala pra me ajudar... Tio sorri com a protocolar comiseração: hoje não, meu filho... tô sem dinheiro. Volta-se pro amigo e continua: então, como tava te falando... é do caralho!!! Simplesmente demais! Você precisa ouvir. Puta som, cara! Puta som! Tava bombando em Nova Iorque! Todas as pistas. Comprei tudo desse cara que achei por lá! (amigo segue concordando com a cabeça)... "é, imagino! O cara é foda!" "é...pô, traz pra eu ouvir". Menino, sem arredar o pé: um real, tio... um real... compra vai... me ajuda... Tio, já contendo a impaciência: ô, garoto, eu não falei que tô sem dinheiro? Hã? O que é que você quer? A vida tá dura... Namorada do tio, tentando ser simpática: volta outro dia, meu anjo... ele não é bonitinho? Tão lindinho! Que carinha de anjo - vira-se pra namorada do amigo: não lembra aquele... aquele do filme? Aquele, poxa, da mostra de cinema? Não é? Ri. Olha, menino, você podia ser ator, hein? O Waltinho não tirou aquele engraxate da rua? Então! Compra tio... e você, dona? Compra uma bala... Eu??!! Doooonaaa??!!? Que é isso? Sou velha agora? Todos riem... zombaria na mesa. Mais uma cerveja, ô Valdemar! Garoto, você podia fazer qualquer coisa, menos chamar ela de dona!!! Agora é que você não vende mais nada pra ela!!!! Desculpa, tia... Tiiiaaaa??!!! Gritos na mesa: piorou!!! Hahaha! Compra vai... ô menino, não seja chato, vai. Tá cheio de mesa aí. Vende praquele casal de namorados lá, ó! O cara tem jeito de que tem bafo. A menina vai comprar rapidinho! Mesa gargalha. Garçom passa olhando feio pro menino. Assobia. Manda sair. O menino se afasta. Desconcertado. Fica pela calçada, indeciso. Balas na caixa. Caixa na mão. Tio, com seriedade: que moleque chato! Tá bom, tem que trabalhar... nesse país de filha-da-puta, só pode dar nisso.... os caras de Brasília aí... viu? Viu? Até ambulância os putos sugam! Uma pouca vergonha! É foda!!! É foda!! Namorada: é por isso que eu não voto mais, não curto política, não curto esse papo baixo astral. Vira-se pro amigo: ele - aponta pro namorado - vive com esse discurso engajado, filiado, militante. Enche o saco com essa porra toda! Arte engajada, textinho em blog... mas eu cansei! Quando rolou toda a merda, eu disse - tá vendo? É tudo igual! Tudo a mesma merda! Votou? Toooomaaa! - namorado irritado, negando com a cabeça, veemente... "não" "não" "não" "nem vem. Pô, puta que pariu, nem vem"... Namorada: por isso, eu curto arte! Meu papo é cinema, curtas, literatura, poesia... eu quero mais que política se foda! Não mexendo no meu baseado e na minha estante, tá tudo certo! E gargalha... Amigo levanta o copo: viva a maconha!!! Um brinde!!! Zoeira na mesa! Alguém entoa: "li-ber-daaaa-de pra dentro da ca-beeee-çaaa". Alguém ensaia com a cabeça um movimento de reggae. Outro se benze com a guimba que tá rolando pela mesa. Traga. Solta fumaça como se libertasse a alma. Namorado: ô gente! Pera lá! Não vamos esculachar também! Sou militante sim! Acredito na porra do mundo melhor! Luto por isso! E daí? Não falaram? Lá... quem era? Que quem não gosta de política é governado por quem gosta? Então... - ia iniciar uma exortação para que todos se engajassem, participassem, lutassem, mas é interrompido pelo menino, que voltou a se aproximar do grupo - ... tio... ele, agora irritado com a insistência de ser chamado de tio pelo moleque, explode: puta que pariu, pivete!!! Caralho! O que você quer? Já não te falei que tô sem grana!!! Cacete! Sai fora! E vira-se pro grupo: só pra encerrar a conversa e passar adiante - quando o Brasil for mais justo, esse tipo de coisa (e aponta pro menino) não vai mais acontecer! Vira-se pro amigo: então, cara, me fodi pra viajar pros Estados Unidos... deixei pra comprar os dólares em cima da hora e o câmbio explodiu... puta jornalista de merda que eu sou!... Nota do Editor: Márcio Juliboni é jornalista, cobre Economia e Negócios no portal Exame. Trabalhou no serviço de notícias online, "Panorama Setorial", do jornal Gazeta Mercantil, na Agência Estado e em várias revistas segmentadas. Iniciou a carreira na grande imprensa em 2000.
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