Confesso que descri. Quando ouvi falar em Pacto pelo Rio Grande convidei meus botões para uma reunião e lhes disse: “Essa eu frito no dedo! Políticos de diferentes partidos, em ano eleitoral, chegarem a um entendimento sobre medidas que descontentarão expressivos segmentos funcionais? Pago para ver!”. Meus botões se conservaram no habitual silêncio e nada revelarão da conversa que mantivemos, mas, ainda assim, sou devedor deste ato de contrição. Confesso que descri. Nossa Assembléia Legislativa acabou fornecendo ao Estado e ao país um notável exemplo de responsável dedicação ao interesse público e de superação de divergências ante o realismo imposto pelo desarranjo das colunas orçamentárias. Por si só, o expressivo conjunto de medidas aprovadas não resolve o desnível instalado entre a receita e a despesa. Outras providências, igualmente necessárias, dependem de: a) alterações constitucionais federais e estaduais; b) negociações tão imperiosas quanto difíceis com a União; e c) amplo conjunto de providências administrativas de cunho geral e pontual. Mas se as disposições agora inseridas na Lei de Diretrizes Orçamentárias ainda são insuficientes, elas revelam uma sadia disposição que sinaliza para tempos melhores. E isso aconteceu num parlamento que costuma ter ouvidos sensibilíssimos ao clamor das corporações e das galerias. Não se invoquem contra os preceitos do Pacto - ao menos não ante os segmentos sociais conscientes das graves dificuldades financeiras do Estado - as costumeiras alegações fundadas nos preceitos constitucionais sobre independência dos Poderes. Elas afrontam a razão. Se essa independência não aceitasse restrição ou limite, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo poderiam encaminhar suas propostas orçamentárias também isentas de limites ou restrições. Não temos três “Estados”, mas três poderes de um mesmo Estado, a serviço do mesmo povo, cujos recursos são escassos. E deveriam sê-lo para todos. A cada ano, contudo, o Judiciário e o Ministério Público aumentam sua fatia no bolo tributário. Como toda circunferência que se preze está limitada a meros 360 graus, a fatia do Executivo perde substância em notório prejuízo de um vasto conjunto de serviços públicos. Ora, se o argumento da independência dos poderes tivesse a abrangência que se alega para justificar as pretensões do Judiciário e do Ministério Público, seria forçoso reconhecer, então, que o Executivo estaria perdendo, a cada ano, um pouco da independência que lhe é constitucionalmente assegurada. As coisas, bem se vê, não são como se alega. A independência dos poderes não pode pressupor nem implica tal largueza orçamentária. Nesse particular, há limites determinados pelo senso comum e há, sobretudo, limites impostos pelo bem comum. Foi o que a Assembléia reconheceu. Não se pode, em nome da independência, e menos ainda em nome da harmonia também constitucional, cobrar perda de “independência”, penúria e sacrifício a apenas um dos poderes de Estado. Nem ampliar, ad infinitum, o déficit público e o endividamento dos rio-grandenses. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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