Um começo de século macabro. Assim podemos definir a primeira metade do século XX. Racismo, imperialismo e genocídio são algumas das marcas desse período, que deixou, como tristes lembranças, duas guerras envolvendo as principais potências da época, mas que, também, refletiram nos demais países do mundo. Tão mundial, que muitas cidades brasileiras viram seus homens partirem. Como, por exemplo, na mineira Rio Piracicaba. Por volta de 1939, início da Segunda Guerra Mundial, os militares brasileiros começaram a convocação de civis para a reserva, pensando no ingresso do Brasil no conflito, tendo em vista as negociações entre o governo de Getúlio Vargas e os Aliados. Em uma dessas convocações, lá se foi o jovem piracicabense Afonso Pessoa Machado que, corajoso e impressionado com as notícias sobre a guerra, não hesitou em aceitar a missão. "Biló", como era conhecido na cidade, foi levado para treinamento em Belo Horizonte. Em 1943, era formada a Força Expedicionária Brasileira (FEB) que, em 1944, desembarcou em Nápoles, na Itália. Sob o comando americano, a FEB foi designada para conquistar o Monte Castelo, que estava controlado pelo exército fascista. A força brasileira era composta de 5.400 homens, conhecidos como pracinhas, e, entre eles, "Biló". Enfrentaram muito mais que italianos ou alemães. Lutaram contra o frio, a dor, a inexperiência e contra a própria mente, que, às vezes, insistia em não compreender os motivos de tanta atrocidade. De todos aqueles brasileiros que estiveram por lá, cerca de 465 ficaram. Morreram em combate. Foram enterrados por lá mesmo, junto a alemães e italianos. "Biló" se salvou. Em 1945, desembarcou no Brasil, e, alguns dias depois, estava de volta a Rio Piracicaba. Casou-se e teve filhos, mas as lembranças não o abandonaram. Quando menos esperava, sua mente o transportava de volta à Itália. Existe uma forma mais humana de se pensar uma guerra. Uma forma menos política, que busca focalizar o soldado como ser humano, e não como peça de um jogo, que pode ser eliminada a qualquer momento. "Biló", provavelmente, eliminou algumas dessas peças, afinal, havia comprado uma briga que não era sua. Naquela altura dos acontecimentos, tinha que sobreviver. É bem possível, também, que tenha visto muitos daqueles soldados que lutavam ao seu lado caírem. Os 465 brasileiros que por lá ficaram tiveram suas histórias interrompidas. O João que gostava de jogar futebol, o José que adorava um arroz com feijão e queria ter filhos, o Manoel que já tinha filhos ou o Joaquim que precisava ajudar a família. Muitos sonhos foram sepultados. "Biló" não morreu na guerra, faleceu em 1973 de coma diabético, segundo consta no seu atestado de óbito. Talvez tenha sido muito esperto, ou, talvez, tenha tido somente sorte, sei lá. Mas ele voltou. Teve um pouco mais de tempo. Encontrou Aurora, com quem se casou. Conseguiu, assim, continuar a escrever sua história. Dessa união nasceram o Afonso, o Francisco, a Vera, a Ana Maria, a Rosângela, a Rosa, a Zucir, a Terezinha e a Antonieta, que continuaram construindo sua família. Deram ao "Biló" muitos netos, entre eles, eu. Nota do Editor: Lucas Vilela é jornalista, 25 anos, formado em dezembro de 2005 em Comunicação Social/Jornalismo pela Fundação Comunitária, Educacional e Cultural de João Monlevade, Minas Gerais. Atualmente, é jornalista da agência de publicidade Shine On Design, de João Monlevade. Blog: www.lucasvilela.uniblog.com.br.
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