Em entrevista à revista Veja, o secretário de segurança de São Paulo, Saulo de Castro, tentando explicar a onda de violência que assolou o estado recentemente, valeu-se de um velho clichê esquerdista. Perguntado porque a polícia não consegue diminuir o crime, listou alguns motivos: "Porque só com prisão você não resolve o problema. Primeiro, o bandido não fica na prisão. Tirando o latrocínio, que hoje é crime hediondo, nenhum crime segura ninguém na cadeia. Todos os responsáveis por roubos e furtos que nós prendemos há dois anos já estão na rua. O segundo motivo é que nós temos uma sociedade consumista, que faz com que o jovem queira o tênis de marca, queira ter as coisas que os ricos têm..." Assim que coloquei os olhos naquela bobagem, lembrei-me de um fato ocorrido com minha mãe, uma senhora de 69 anos, algum tempo atrás. Parada na frente de uma vitrine, num grande shopping da Zona Sul do Rio de Janeiro, ela apreciava, distraída, alguns pares de tênis. De repente, surgido do nada, segura-lhe o braço um adolescente, típico "menino de rua". Sem mais nem menos, diz a ela: - "moça, compra um tênis pra mim?!" Antes que pudesse responder qualquer coisa, ele apontou para o par mais caro da loja e informou, sem maiores delongas: - "eu quero aquele!" Atordoada, enquanto tentava soltar-se das mãos do rapazinho minha mãe lhe disse, com uma presença de espírito de dar inveja, que nunca comprara um tênis daquele valor, nem mesmo para presentear um de seus quatro filhos, e que se ele realmente quisesse tê-lo que procurasse estudar muito e trabalhar bastante, para que um dia pudesse comprá-lo com o próprio dinheiro. Numa reunião de família, pouco tempo depois, essa estória foi contada e gerou intensas discussões a respeito. Os mais à esquerda, a exemplo do secretário de segurança, defenderam que a causa por trás daquela atitude pouco comum do garoto estaria no enorme apelo que a "sociedade de consumo" exercia sobre todos nós, fazendo com que as pessoas se tornassem capazes das ações mais estranhas para conseguir os objetos de seus desejos. Foram unânimes em apontar que, dentro de pouco tempo, o menor passaria a formas de persuasão mais incisivas, como o furto e o roubo. Devo admitir que, a primeira vista, essa explicação parece bem verossímil mas, como nem tudo que reluz é ouro, ela é falaciosa. Culpar o "consumismo" por condutas como a daquele garoto é tão estúpido quanto apontar para a pobreza e as desigualdades como as causas da criminalidade. (Faço aqui uma - nem tão - breve digressão: o emprego de expressões pejorativas, como "sociedade de consumo" e "consumismo", é mais uma das incontáveis armas esquerdistas de ataque ao capitalismo, à multiplicação exponencial da riqueza e à prosperidade que ele representa. Seu enunciado sempre esteve associado à economia dos Estados Unidos, sem dúvida alguma aquela onde o consumo é, disparado, o maior do planeta. Porém, ao contrário do que imaginam os socialistas, não há qualquer demérito nisso, haja vista que ninguém pode consumir nada sem antes produzir algo de valor equivalente. A equação é muito simples: quanto mais produtivo é o indivíduo, mais possibilidades de consumo terá. É patético como aqueles mesmos que maldizem o "consumismo", tecem loas ao crescimento econômico, como se fosse possível aumentar a produção sem o respectivo consumo). Pois bem. Além do maior consumo, do maior PIB e de outros inúmeros dados econômicos superlativos, os americanos talvez sejam a sociedade mais desigual do planeta. No entanto, ao contrário do que infere o raciocínio torto da esquerda, desde a década de 90 os índices de criminalidade não param de cair por aquelas bandas, o que corrobora uma teoria totalmente diversa daquela defendida pelo secretário, que eu resumiria da seguinte maneira: num ambiente social sadio, onde o crime normalmente não compensa, pois a vigilância da sociedade e a aplicação das leis punitivas são a norma, a oferta abundante de produtos estimula a virtude (trabalho, produção, poupança, investimento etc.), não o vício. Mas, se o "consumismo" não é capaz de explicar o comportamento do menino do shopping, o que o teria levado a agir daquela maneira e muito provavelmente o levará a atitudes mais agressivas daqui para a frente? O que o faz sentir-se no direito de pedir (quase exigir) que algum desconhecido lhe compre um par de tênis tão caro? Se não é a ganância consumista, o que estaria por trás desse comportamento pouco comum? Minha resposta é: o igualitarismo. Um câncer que se espalhou na índole do brasileiro, resultante de um apostolado sistemático e rigoroso, uma doença cujos sintomas diferem de acordo com a condição econômica dos enfermos. Nas pessoas com algum poder aquisitivo - não necessariamente ricas - manifesta-se uma sensação absurda de culpa (atenção: não estou me referindo à compaixão ou solidariedade, que seriam sentimentos normais e desejáveis, mas à culpa mesmo - quem leu a última crônica do Arnaldo Jabor, sabe do que estou falando, tornando-as reféns de um conflito de consciência tão espúrio quanto doloroso, convencidas que estão de que a sua riqueza, ainda que obtida com trabalho duro e honesto, é a razão da miséria alheia). Nos indivíduos pobres, a sublimação do igualitarismo - enaltecido diuturnamente pela televisão, através das novelas e dos telejornais, cantado em prosa e verso nas universidades país afora, vomitado incessantemente por políticos de todos os matizes ideológicos e celebrado nas igrejas pela famigerada Teologia da Libertação e seitas similares - provoca dois sintomas diferentes, mas não excludentes: o mais grave é um sentimento paralisante de auto-comiseração, em que o indivíduo passa a enxergar-se como vítima impotente da sociedade. A outra manifestação, mais visível, porém menos comum, dissemina nos doentes uma indisfarçável agressividade (não raro arrogante) contra o mundo à sua volta, típica dos que se julgam credores da humanidade. Em resumo, essa metástase virulenta, se por um lado desestimula a geração de riqueza, porque vista pela maioria com algo pecaminoso, de outro, aliada ao desmantelamento da instituição familiar, fonte primária dos valores morais de qualquer sociedade que se preze, induz os indivíduos à preguiça, ao ócio e à vadiagem, afastando o estudo e o trabalho árduos dos seus ideais de vida e colocando em seus lugares abjetas reivindicações re-distributivas, nem sempre feitas de forma civilizada - MST e quejandos que o digam. A questão é saber até quando uma sociedade pode sobreviver a isso. Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.
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