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Crônicas
04/08/2006 - 06h07
Efeitos colaterais de uma leitura
Helena Sut - Agência Carta Maior
 

"O homem que tenta ser bom o tempo todo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons." (Nicolau Maquiavel)

Cedo aos conselhos de um amigo e me lanço à leitura do livro As 48 leis do poder para amadurecer minhas percepções nas relações sociais e políticas. A compreensão de algumas intrigas que cercam os ambientes cotidianos pode ser uma forma de dissipar o conflito interior marcado por silêncios e frustrações.

Apesar de já ter lido O Príncipe de Maquiavel e A arte de Prudência de Baltasar Grácian e de não me considerar tão ingênua ou "boazinha", os ensinamentos com exemplos das leis observadas e suas interpretações do livro de Robert Greene assombram-me. Um universo de desonestidades, dissimulações e ingratidões descortina-se em cada mandamento ultrapassado. Manipulações desnudam a virtude como uma palavra morta, um verbete sem significado.

Infelizmente, os fatos reunidos pelo autor, que sustentam as leis hostis, são reais e revelam personagens conhecidos da história desde os tempos mais remotos. Os exemplos não se limitam aos cenários políticos, expandem-se nas relações mais íntimas e regem o amor, a doação, enfim, todas as ações humanas.

Os jogos do poder estão distantes das brincadeiras comportadas dos infantes. Tantas regras norteiam os primeiros ensinamentos para depois de alguns anos tornarem-se fragilidades a serem superadas num mundo de astúcia e malícia. As relações do poder não são marcadas por sentimentos nobres, mas por razões definidas que, quando bem articuladas, culminam no poder...

Seduzida pela curiosidade e pela coerência na organização das idéias, leio as primeiras vinte e cinco leis de uma só vez. A narrativa alcança-me como uma leitora incauta entregue à ficção e desperta-me para os fatos históricos transcritos com a seriedade de um manual de comportamento a ser respeitado. Perco o fôlego, ao perceber a gratidão como um peso muito forte a ser suportado e a infelicidade vista como um motivo seguro de afastamento, rendo-me exausta, sem forças para prosseguir.

Não se deixar contagiar pelo fracasso alheio, não recorrer ao sentido de gratidão ou misericórdia, apelar sempre para o egoísmo do outro a fim de conseguir seus objetivos... Não há como ficar à margem observando o curso dos rios, a violência das águas devasta a orla e carrega os vitoriosos e afogados.

Desisto. Demoro a dormir, a cabeça lateja com tantos males. Será? Quando me liberto do turbilhão de maus pensamentos, o inconsciente me trai. Sonhos... Estou sozinha e tensa, aquartelada num castelo. Além da porta, ouço os passos de minha pequena filha. Os ensinamentos do livro alertam: não confie em quem conhece as suas fragilidades, os seus amigos mais próximos serão os primeiros a lhe traírem... Sinto medo, dissimulo minha presença numa ausência cruel... Paranóia. Anoitece e permaneço observando o vasto oceano num turvado horizonte. Aproximo-me do mar, mergulho na tentativa de me lavar dos maus presságios e de me libertar da culpa, mas a água está cheia de sargaços fétidos, que se fixam em meu corpo e me prendem num fundo lamacento.

Acordo assustada. Quase sinto o contato das pardas algas. Tento me desvencilhar das cobertas e derrubo o volume entreaberto na cabeceira. Um estrondo seco. Aparentemente inofensivo, o livro pode ser uma arma fatal a destruir a inocência que fortalece os poemas de amor e o olhar empático com o próximo. Sinto o vazio de me sentir desvirginada num estupro consentido. Algumas leituras deveriam ser acompanhadas de informações acerca de sua indicação, posologia, precauções, reações adversas e interações literárias.

Guardo o livro com o marcador bem no centro, como um umbigo cicatrizado, a prova de minha coragem em enfrentar os primeiros mandamentos, os vestígios de minha covardia em abandonar a leitura para não me perder num oceano corrompido sem os portos seguros dos sentimentos enraizados na gratidão, solidariedade, esperança e compaixão.

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