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Crônicas
06/08/2006 - 06h56
A caminho do mundo
João Soares Neto - Agência Carta Maior
 

Descemos em Idlewild. Era julho de 1963, faltavam pouco mais de quatro meses para John Kennedy morrer e tornar-se o nome daquele principal aeroporto de New York. Esta é a história contada, depois de vivida. Assim é fácil.

Um mar de carros no estacionamento, ônibus direto para a Columbia University e todos os olhos nas janelas vendo a América chegar e passar. Descemos. Fomos formando subgrupos, independente dos estados de origem. Havia mais homens do que mulheres. Na verdade, éramos universitários, poucos mais que adolescentes, felizes, pretensiosos e orgulhosos por termos sido eleitos, escolhidos entre tantos que se candidataram.

Eu, particularmente, não sabia bem o que iria estudar ou ver. Sabia que estava ali por mérito, disputara e ganhara sem padrinhos, a bolsa seria integral e ainda haveria uma pequena ajuda de custos. Recebi a pasta, roteiro da viagem, o reconhecimento oficial da bela cidade que nunca dorme com as nossas saídas noturnas, especialmente para o Village e a Broadway, aonde vimos No Strings. Lembro de coisas tão distintas como as visitas à sede da Onu, a Bowery Street, onde bêbados misturavam-se com marginais, e aos famosos museus Metropolitano de Arte, de História Natural e Guggenheim. De termos sido recebidos na Academia Militar de West Point onde, alguns cadetes, talvez futuros combatentes no Vietnã, tentavam comunicar-se em Português. Recordo também a visita e um pequeno sarau numa famosa escola universitária para moças; pois é, nesse tempo havia disso. Eram moças de fina estirpe que estudavam lá no Vassar College.

Depois, lá fui eu "morar" com a família Moore, genuinamente americana, em Gloucester, Massachussets. Ele, engenheiro eletrônico, mandava-se para Boston, onde trabalhava. Ela, levava o casal de filhos pequenos para a escola e ia comigo a uma espécie de Country Club onde senhoras desocupadas ouviam falar, com espanto, de um país chamado Brasil. Cansada de mim, talvez, apresentou-me à irmã solteira, com um carrinho inglês e seu jeito de fumar engraçado, enquanto olhávamos as estrelas de um promontório.

Em seguida, fomos todos para Cambridge, margeando o rio Charles. Harvard, a universidade famosa, estava ali à espera dos ruidosos e ávidos brasileiros que descobriam as fraternidades e alojavam-se em dormitórios limpos, distintos, mas quase espartanos. Vieram os cursos, estudos e conferências. Encaminhavam-nos para entender a vida e as instituições americanas. Presunção do conteúdo programático. Ora, se nem os próprios americanos sabiam de sua vida, como poderiam nos ensinar? Éramos assim, mais presumidos que os organizadores do currículo e nem poderíamos prever que o coordenador, Professor Henry Kissinger, que fez duas conferências, viria a ser um dos mais importantes ministros de Estado dos USA. Eram muitos professores, a maioria ph.ds. Tudo foi bem explicado, dito, debatido e aprendido. Até líder sindical fez-se ouvir. Mal sabíamos que poderia ser premonição sobre o nosso futuro.

Num fim de semana, fomos a Tanglewood, ouvir a Orquestra Sinfônica de Boston. Foi lá onde vi o maestro Eleazar de Carvalho pela primeira vez. Na volta, noite alta, alguns "amassos" na parte traseira do ônibus, mas isso é detalhe. Em outro, conheci a família de Tony Quintal, um descendente de português. Cadillac conversível com telefone. Hospedou-me na sua casa com portão automático que me fazia lembrar de Jacques Tati, em Mon Oncle.

Enquanto isso, a América fervia. Era tempo do cerco a Cuba. A discriminação racial chegava ao fim e os negros rumavam, quase sempre em atos políticos e de direitos civis, para ou sobre Washington. Era lá no District of Columbia, vendo o Rio Potomac, a nossa última parada. A mais importante de todas.

Washington era, na época, a redenção das pessoas de cor. Tudo estava bem claro e, para um subgrupo de estudantes de direito, isso ficou muito definido quando fomos recebidos por Robert Kennedy, Secretário de Justiça. Seu gabinete era imenso (ou seria imaginação minha?), tinha um grande, peludo e pachorrento cão solto que, via de regra, ficava sob a sua mesa de trabalho. Na parede, um quadro abstrato, com pinceladas curtas multicores. Bob nos perguntou: O que significa este quadro? Nenhum acertou. Era uma chuva de papéis picados em New York sobre o carro de John Kennedy após a vitória presidencial. Em sua mesa havia um capacete militar amassado. Prova da luta pelos direitos civis em Little Rock, ele nos disse. "Ficamos íntimos", tão próximos que Bob nos pediu licença para atender visitantes japoneses e, em seguida, voltou. Falou-se de tudo e ele fazia questão de dizer que aquele momento era histórico e as mudanças, profundas, tinham muitos opositores. O próximo novembro, 22, o de Dallas, e outras datas, mostrariam isso. No final, nos deu prendedores dourados de gravata, em forma de corveta, aquela em que um de seus irmãos havia lutado e morrido pelos Estados Unidos na 2ª Guerra.

Fizemos o circuito cultural e político de Washington. Vimos tudo e encerramos com chave de ouro: sendo recebidos pelo presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy. Era manhã, o sol estava claro e antes das nove já estávamos todos de paletó e gravata, passando por uma entrada especial. Nos quedamos à espera de Kennedy no jardim interno onde o cerimonial prepara e a televisão costuma mostrar encontros de grandes mandatários. A demora foi um pouco maior do que esperávamos. Com ansiedade, esgueirei-me por uma porta. Dava para um corredor. Eis que no sentido contrário vinha John Kennedy com um pequeno séqüito. Passaram por mim e entraram em uma sala. Voltei e fiquei falando para os mais próximos que já havia visto o presidente. Riram. Mas calaram quando descrevi, se lembro bem, seu trajo marinho, camisa branca, gravata fina em tons vermelhos. Nesse instante, ele acabava de entrar, sem trocar de roupa. Para mim, esse "furo" já bastava. O único presidente católico dos Estados Unidos ficou por trás do tradicional púlpito, cercado por microfones e começou a falar para nós sobre o seu governo e as relações com a América Latina. Em determinado momento, perguntou: quantos futuros candidatos a presidente do Brasil estavam ali? Ao final, cumprimentou-nos e trocou breves palavras com todos. Como morreu antes de 1964, não viu o que sucedeu no Brasil, como de resto em quase toda a América Latina. Hoje, todos sabemos porque nenhum de nós foi candidato a presidente.

E, assim, de memória e sujeito a erros, exageros e omissões, registro o que fluiu nessa viagem e o que de mais significativo ou marcante, no meu olhar, ocorreu. Uma vez, tentei refazer esses caminhos, mas o tempo, eu e os lugares havíamos mudado. Foi nela, naquela viagem, a primeira, que estava sendo aberto, para mim, o caminho do mundo. Vasto mundo, tão vário quanto são os sonhos de cada um.

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