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Crônicas
08/08/2006 - 18h01
Duas confissões a vinte reais
Rodolfo Torres
 

Três são as profissões fundamentais para se entender com profundidade as entranhas, o funcionamento íntimo do poder. Com o depoimento dessas três categorias, cada qual com as suas peculiaridades, pode-se afirmar que a República é dissecada da forma mais crua possível, sem os retoques da prudência, sem os sofismas e sem o pudor dos termos respeitosos. Refiro-me às profissões de garçom, prostituta e taxista.

Quem trabalha em alguma dessas três atividades conhece muito mais da prática política do que qualquer cientista social ou jornalista metido a analista político. A intimidade com o topo, segundo a literatura especializada, só traz a desgraça, a solidão, a tragédia em estado de pureza. E não há quem não persiga esses infortúnios anunciados...

Já me disseram que um filósofo alemão, bastante citado por adolescentes raivosos, proferiu certa vez que o amor de uma prostituta é o mais puro de todas as categorias de amor. Pelo que pude abstrair da conclusão do moço, ele fez uma apologia à experiência. Experiência que segundo os mais velhos é o que mais importa nessa vida tão errada que levamos.

O sujeito que se dedica a uma atividade por vários anos, seja qual atividade for, merece um punhado de respeito. Em se tratando das três profissões citadas anteriormente, o respeito adquire dimensões irresponsáveis. Um taxista, por exemplo, que tem décadas de praça é um profundo conhecedor da natureza humana, da condição do bicho homem. E pelo profundo conhecimento, pela experiência demasiada, todo taxista com décadas de praça é um ser calado, triste e decepcionado. Isso também lhe rende uma expressão de estranha calma diante dos cenários de horror que já foi obrigado a testemunhar.

Conheci um sujeito desses em Brasília. Um senhor franzino, educado e de fala rápida. Em poucos minutos de conversa, e por conta do trânsito congestionado, o homem me fez duas confissões. Antes de abrir suas tragédias, pediu licença e suspirou. O taxista veterano tem uma filha, que ganha uma miséria como funcionária de uma empresa. Ele, com seu trabalho ao volante e sua aposentadoria escassa, pagou a faculdade dela, e não tem coragem de pedir que ela deixe o seu emprego para trabalhar de doméstica. "Ela ganharia muito mais sendo empregada doméstica e, quando soubessem que ela tem um diploma, poderiam ajudar a minha menina", dizia. Eu olhava para o taxímetro, fazendo cálculos íntimos, e chorava por dentro.

Passamos do problema do desemprego galopante para o da corrupção corrosiva. A segunda confissão foi mais distante. Recebi-a com uma certa alegria bizarra, por mais incompreensível que isso seja. O taxista com décadas de praça em Brasília admitiu com a cara amarrada que já conduziu os piores elementos da vida pública nacional. Em sua análise, os petistas são perigosos, o presidente conduz o país como se o Brasil fosse um sindicato, e um sindicato é um berço de mafiosos.

Ainda falta a segunda confissão... Quando passávamos em frente ao Buriti, o desabafo que me fez cócegas estranhas na alma: - "Já venderam o país diversas vezes dentro do meu carro". A corrida estava chegando ao fim e eu não podia perder o contato desse arquivo fundamental da história podre de Brasília. O bom homem me desejou felicidades e me deu o número do seu telefone. Mais conversas poderão vir, porém o lado B da história de Brasília não rende um seriado pomposo na TV.


Nota do Editor: Rodolfo Torres é jornalista.

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