"Há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas tenho certas dúvidas quanto à primeira". (Einstein) Os políticos brasileiros realmente perderam o senso das proporções. Ao aprovarem a Lei 11.324, que entrou em vigor no dia 20 de julho de 2006, deram uma demonstração de total desconhecimento das relações humanas, deixando bem claro que não estão nem aí para a classe mais pobre da população. O presidente, por sua vez, já useiro e vezeiro em não saber de nada, em não ver nada, em não se importar com nada, nem mesmo hesitou em sancionar, quase que por inteiro, a malfadada lei. Aquela nova legislação incluiu o art. 4º-A na lei que rege o trabalho doméstico (Lei 5.859/72), estendendo às empregadas das famílias a estabilidade à gestante, até então somente assegurada às demais trabalhadoras por força do art. 10, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O novo dispositivo legal contém a seguinte redação: "É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto." É lindo, não? O estrangeiro que lê esse dispositivo legal deve ficar imaginando que o Brasil é um país cujos habitantes têm, em sua maioria, um alto padrão de vida, e que nem se importarão com mais esse direito "duramente conquistado" pela classe trabalhadora das empregadas domésticas. Ledo engano! Traduzindo em miúdos, todo empregador doméstico estará, doravante, proibido de dispensar a empregada grávida, que agora goza de estabilidade por 14 meses (da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto). A medida trará várias conseqüências, todas devastadoras. Em primeiro lugar, abrirá uma enorme brecha para que empregadas mal intencionadas (e não há poucas!), vislumbrando a chance de ganhar um bom dinheiro fora de hora, deixem o emprego tão logo descubram sua gravidez. E ato contínuo, vão bater às portas do Judiciário Trabalhista, alegando que foram dispensadas imotivadamente, apesar de sua condição de estáveis. Não vai adiantar nada o patrão dizer que sequer teve ciência de que a fulana estava grávida, uma vez que os juízes, ao interpretarem a letra b do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (que trata da estabilidade da empregada gestante), têm reiteradamente entendido que esse tipo de estabilidade independe da ciência do empregador, sendo bastante a mera confirmação da gravidez. Aliás, o próprio Tribunal Superior do Trabalho já editou, em abril de 2005, o Enunciado 244 (seguido por praticamente todos os juízes do trabalho do País), que assim estabelece: "I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (art. 10,II, ‘b’ do ADCT)". Dessa forma, uma vez surpreendido com a notificação judicial, o patrão terá de contratar um advogado (pagando-lhe honorários, é claro) e comparecer à audiência, onde nem mesmo adiantará ele dizer que, por não ter sabido do estado gravídico de sua empregada quando ela foi embora, está disposto a colocar o emprego novamente à sua disposição. É que, de imediato, a empregada dirá que não deseja mais voltar a trabalhar naquela casa, dada a "animosidade" que se instalou entre as partes. Conclusão: o patrão terá de desembolsar o equivalente aos salários de todo o período da estabilidade (desde o último mês de trabalho até o quinto mês após o parto), além de aviso prévio, férias vencidas e proporcionais acrescidas de 1/3, 13º salário integral e proporcional, afora os recolhimentos de INSS sobre todas essas verbas. Ah, tem mais ainda: se não houve o registro do contrato na Carteira de Trabalho da empregada ou se o patrão não recolheu os valores ao órgão previdenciário, mês a mês, será ainda condenado a lhe pagar o salário-maternidade, já que ela alegará que, sem esses recolhimentos, o INSS lhe nega aquele pagamento. Beleza, não? Não é só, entretanto. Se se pudesse afirmar que a nova lei traz benefícios para os pobres, ainda se poderia engolir o sapo, com a esperança de que agora sim, teria sido dado um importante passo para a diminuição das "desigualdades sociais". O problema é que a nova lei não afeta os ricos, significando, ao contrário, uma verdadeira paulada na cabeça dos mais pobres. Afinal, quem tem dinheiro sobrando pouco está se lixando para os trocados a mais que terá de dar para a empregada estável caso ela deixe o emprego durante o período de gestação. Mas que dirá daqueles que, ganhando até 2 ou mesmo 4 mil reais, desembolsam mensalmente 350 reais (valor mínimo obrigatório) com o salário da empregada? Como poderão essas pessoas arcar com o pagamento de cerca de 3 ou 4 mil reais - praticamente o seu próprio salário inteirinho - para pagar a estabilidade da empregada? Outra conseqüência funesta é a inevitável informalidade que dominará o mercado de trabalho doméstico, já que muitos patrões, na tentativa de mascarar o vínculo de emprego, se negarão a assinar a Carteira de Trabalho da empregada, o que, de resto, de nada adiantará porque o Judiciário Trabalhista está atento em defesa dos "direitos" da categoria. Além disso, aquelas que conseguirem emprego dentro das novas regras deverão sentir o achatamento do salário normalmente pago à classe até agora. Ninguém vai ser bobo de pagar mais do que um salário mínimo para uma empregada, sabendo que a qualquer momento poderá ser vítima de uma armadilha e ter de contratar advogado, enfrentar uma audiência e ainda por cima sofrer um sensível baque em suas economias, se estas existirem, ou ser obrigado a fazer um empréstimo em uma instituição bancária (os bancos desde já agradecem) para poder honrar o compromisso. Até parece que os políticos não sabem (o presidente, é claro, não sabe de nada mesmo) que há milhões de pessoas que, para poderem trabalhar, ainda que por um salário inferior a mil reais, são obrigadas a manter em casa alguém que cuide de seus filhos, pagando-lhe, muitas vezes, um salário até mesmo abaixo do mínimo, já que simplesmente não conseguem pagar mais. Evidente que ao saberem da nova legislação, essas pessoas se sentirão obrigadas a dispensar sua empregada e, talvez, até mesmo a deixar o próprio emprego, uma vez que não terão a menor condição de suportar essas despesas. Ora, se nem mesmo a família possui estabilidade alguma (aliás, a cada dia que passa esta se torna uma instituição cada vez mais instável), como é que se pode conferir estabilidade a alguém que nem à família pertence? Se marido e mulher se separam, por exemplo (o que já envolve despesas vultosas para a maioria das pessoas), indo cada um para uma cidade diferente, ver-se-ão na contingência de calcular, no inventário dos bens e das dívidas a serem divididos entre ambos, o montante a ser pago à empregada que eventualmente se encontre grávida ou que, depois de ter deixado a casa do casal, descobre a gravidez e os aciona judicialmente para receber os seus "direitos". Será que os nossos governantes não percebem que a situação de uma empregada doméstica é completamente distinta da de uma empregada que trabalha em uma empresa qualquer, onde ela é apenas "mais uma" entre tantas outras? Será que eles não pararam sequer para pensar que a empregada doméstica mantém uma relação de grande intimidade com a família para a qual trabalha, conhecendo-lhe os gostos, as manias e, muitas vezes, até os segredos mais íntimos, o que torna muito mais fácil a possibilidade de atritos? Será que não se deram conta de que, na hipótese de patrões e empregadas não mais se darem bem, será uma tortura infernal mantê-las dentro de casa só pelo fato de elas estarem grávidas? E se quem ficar grávida for a patroa? Não seria justo que ela também tivesse uma "estabilidade patronal" para que sua empregada não a abandonasse durante todo o período de gestação e até que o seu bebê completasse cinco meses de idade? Mas - dirão alguns - o empregador doméstico poderá dispensar a empregada, mesmo grávida, se esta cometer uma falta grave. E eu indago: como é possível ao empregador comprovar, perante a Justiça do Trabalho, a falta grave da doméstica, se a lei processual não permite que ele leve parentes ou amigos como testemunhas? Imaginemos a hipótese de o patrão descobrir, após algum tempo, que sua empregada está lhe furtando, dia a dia, seus objetos pessoais, sejam eles de pequeno ou de grande valor. Como é que ele poderá provar três importantes fatos para o deslinde da questão: 1) que ele realmente possuía as coisas que sua empregada lhe furtou; 2) que houve o furto; 3) que foi a empregada quem o praticou? Não nos podemos esquecer que, de acordo com a doutrina trabalhista, o ônus da prova é sempre mais leve para o empregado - o chamado "hipossuficiente" - e que no confronto entre a palavra do patrão e a palavra da empregada, esta acabará, fatalmente, levando a melhor. Tem sido sempre assim, na imensa maioria das vezes! É claro que os intelectualóides, assim como aqueles que fazem qualquer coisa para atrair os holofotes, acharam maravilhooosa a nova lei que rege o trabalho doméstico, especialmente no que tange à estabilidade de que doravante gozam aquelas que engravidam no curso do contrato. Houve até um juiz do trabalho que, em recente artigo, comparou as residências dos brasileiros com as antigas "Casas Grandes" do tempo da escravidão, lamentando o veto presidencial à nova lei quanto à obrigatoriedade de recolhimento de FGTS para a categoria, chegando mesmo a afirmar que "as futuras gerações questionarão como fomos capazes de, em pleno século XXI, explorar a mão-de-obra humana, dos nossos semelhantes, iguais em liberdade, para o desempenho de tarefas exclusivamente nossas." E as perguntas que imediatamente nos saltam da garganta são: E esse juiz, não tem empregada não? Mesmo ganhando mais de 10 mil reais por mês, ainda assim é ele quem faz, sozinho ou ajudado por sua mulher e filhos, as tarefas "exclusivamente" suas, após um dia extenuante de trabalho e com a montanha de sentenças que tem para fazer? E os milhares - talvez milhões - de empregadas que perderão o emprego logo após seus patrões tomarem conhecimento do inteiro teor da nova lei, não voltarão elas, aí sim, à condição de senzaladas? Mas atenção, leitores, aquele mesmo juiz ainda advertiu: "Não haverá desemprego, sendo certo que qualquer tentativa de fraudar a relação de emprego com a atribuição de "autônomo" do trabalho prestado pelos domésticos deve ser repreendida pelos órgãos de fiscalização do Executivo e severamente punida pela Justiça do Trabalho no momento do julgamento das questões submetidas à sua apreciação, com determinações relativas à assinatura da CTPS, ao pagamento de todas as verbas, à ocorrência do crime capitulado no Código Penal e à comunicação do fato ao Ministério Público do Trabalho, além da condenação do empregador ao pagamento de indenização por dano moral.". Por aí dá para perceber, claramente, a fúria que os empregadores domésticos deverão enfrentar pelo fato de, ainda que sem o saber, tenham dispensado suas empregadas grávidas! E não se atrevam, senhoras e senhores, a colocar seus filhos menores, mesmo que eles sejam capazes de lavar a louça ou de varrer o chão, para ajudar no serviço da casa após terem dispensado suas empregadas. O Ministério Público do Trabalho está em plena campanha contra o trabalho infantil! É muito bonito - e facílimo até - falar a favor dos "pobres e oprimidos". Mas dessa vez, meus caros socialistas, o tiro saiu pela culatra: quem vai sair perdendo com essa nova lei são exatamente os mais pobres. Os ricos estão morrendo de rir. Nota do Editor: Marli Nogueira é Juíza do Trabalho em Brasília.
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