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SEÇÃO
Crônicas
10/08/2006 - 08h05
Dividindo por dois algarismos
Chico Guil - Agência Carta Maior
 

O ensino tem duas fases boas: a da pedra bruta e a da pedra polida. O mal está nas fases intermediárias.

Talvez eu não devesse tocar nesse assunto, visto que envolve muitas pessoas. É bem possível que este texto não seja bem compreendido, e que surja o rumor de que estou entrando na seara alheia. Em minha cidade temos esse costume de "deixar quieto", temerosos de que nossas palavras possam trazer repercussões negativas em nosso cotidiano profissional. Mas há coisas que não podem ser deixadas para depois. Ou encaramos os fatos hoje, ou passaremos o resto da vida pensando que fomos omissos, e que pessoas inocentes foram prejudicadas com essa omissão.

Todo ano, aparecem alunos de Ensino Médio pedindo aulas particulares de Matemática, Física ou Química, visando às provas de vestibular. E, quase sempre, o problema desses alunos é o mesmo: falta de conhecimento básico. Começamos a estudar eletricidade, geometria, ou mecânica e, já nos primeiros exercícios, percebo que eles não conseguem resolver as "continhas", aquelas multiplicações, subtrações e divisões que costumamos aprender nos primeiros anos escolares. Geralmente, os estudantes compreendem com facilidade os mecanismos da física, ou mesmo da química. Mas quando chega a hora de substituir as letras das fórmulas por números e resolver as benditas continhas, eles empacam.

Esse fenômeno vem repetindo-se durantes as últimas gerações. Percebi esse sintoma quando dei aulas num colégio público. A esmagadora maioria dos alunos de 7ª ou 8ª séries não sabia dividir por dois algarismos. E esse problema continuou anos afora, resultando em estrondosos fracassos profissionais. Obviamente também tivemos muitos sucessos, mas não estou falando de sucessos. Estou falando de problemas!

É provável que alguns professores se sintam ofendidos com essas afirmações (principalmente os maus professores, porque os bons nada têm a temer ou a esconder). No entanto, creio que chegou a hora de encarar a verdade: a grande maioria dos nossos alunos não sabe fazer contas!!! Querem uma prova disso? Apliquem provas de divisão por dois algarismos, em qualquer que seja a série, de 1º e 2º Graus. Ou peçam aos alunos que façam multiplicações com potências de 10, de preferência misturando expoentes positivos com negativos. Se metade desses alunos souber resolver tais questões, retiro tudo que estou dizendo.

Não quero ofender ninguém, senhores mestres. Creio que os professores teriam de ser tão ou mais considerado que os médicos, juízes ou prefeitos. Afinal de contas, o que destaca o ser humano dos outros seres é a inteligência, e os professores são - ou, pelo menos, deveriam ser - os propagadores das criações e das descobertas da inteligência. Mas também acredito que essa classe precisa romper os seus nós, desprender-se do intragável "currículo programático" e atentar para as necessidades reais dos alunos. Afinal de contas, de que adianta "vencer o currículo", aplicando fórmulas e mais fórmulas, atulhando os estudantes com informações, enquanto a realidade dessas pessoas é que elas não sabem resolver os problemas básicos? A realidade da maioria dessas pessoas tem muito pouco a ver com qualquer das disciplinas escolares.

O QUE SABEMOS?

Aproveito o ensejo para lamentar a reprovação, em 2005, da aluna Cláudia (nome fictício), uma garota com deficiência auditiva, numa das nossas escolas mais tradicionais. Devido à surdez, ela também possui problemas de comunicação oral. Apesar de inteligente, era extremamente tímida. Mas assim que entrou na escola começou a soltar-se. E tão logo essa planta sentiu os primeiros ventos da primavera, desceu sobre ela o inverno rigoroso, sem passagem pelo verão.

Discuti o caso com algumas pessoas que poderiam ter decidido a favor de Cláudia, sem resultado. A garota foi condenada e reprovada, sem direito a defesa.

Mas ainda há tempo para perguntar: a autoridade que bateu o martelo sabe mais que Cláudia? Talvez saiba conjugar os verbos e dividir por dois algarismos. Talvez tenha mestrado, talvez seja especialista em alguma ciência moderna, entretanto, alguém pode me dizer quantas coisas essa professora não sabe? Pense você, leitor: quantas coisas você sabe? E quantas não sabe?

A quantidade de coisas que não sabemos - e nem mesmo os ganhadores do Nobel sabem - é infinita. Reprovar um aluno porque não consegue reproduzir numa folha de provas um certo conceito, ou resolver uma certa conta, é relegar toda a humanidade à reprovação. Considerando a vastidão das coisas que não sabemos em relação ao tão pouco que sabemos, deveríamos ser todos reprováveis. Ou, pelo menos, deveríamos ter a humildade de admitir nossas limitações, e andar mais próximos, conversar mais sobre os nossos verdadeiros anseios.

A grande verdade é que nem mesmo sabemos o que somos. Você pode dizer que é uma pessoa, amigo leitor. Mas o que é uma pessoa? Admito que ainda não descobri o que é isso. Creio que um dia saberemos, mas, acredite, por enquanto ninguém sabe o que é uma pessoa. A cada ano surgem novos dados, novos conhecimentos, e vamos percebendo que o conceito de "ser humano" varia no tempo e no espaço, segundo as intenções e as capacidades de quem estuda esse fenômeno estupendo. Por enquanto, o que temos de real e concreto é que estamos todos no escuro, ainda nas cavernas da ignorância, e que só sairemos daqui de braços dados.

Por favor, botem lenha nessa fogueira. Nossas crianças merecem essa atitude corajosa.

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