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Crônicas
15/08/2006 - 17h07
Trinta anos sem JK - uma experiência
Anna Lee
 

Vira-e-mexe recorro aos espectros de Marx que tanto assombraram Derrida para tentar lidar com meus próprios fantasmas e não é a primeira vez que uso esse recurso neste espaço. Faço isso mais por achar que a palavra "espectros" - no plural - sempre cai bem do que por querer uma explicação filosófica ou histórica para os espíritos que teimam em me obsedar. Não tenho uma visão global da vida. Levo tudo para o lado pessoal e esse é o meu maior defeito.

Nos trinta anos da morte de Juscelino Kubtischek, em 22 de agosto, penso na importância que ele teve e ainda tem na política brasileira com a sua multiplicidade de espectros gerados a partir do espírito único que um dia foi sinônimo da esperança de viver 50 anos em 5. Mesmo assim é uma experiência pessoal que me mobiliza quando o assunto é JK.

Minha experiência com (ou sobre) ele não é uma experiência vivida, mas adquirida de longas conversas com o Cony, que ajudou o ex-presidente na redação de suas memórias.

Quando conheci o Cony na Manchete, onde também trabalhei, ele ocupava a sala que foi de JK e sempre que eu subia naquele 10º andar minha imaginação borbulhava. Eu perguntava, perguntava, perguntava. Queria saber tudo sobre o presidente "bossa nova" que povoava meu imaginário. O Cony, pacientemente, me respondia. Contava casos e mais casos e me deu o diário de JK para ler. Um desses "casos" me impressionou bastante. Aconteceu no dia em que JK morreu num acidente na via Dutra e Cony e outro jornalista da Manchete, Murilo Melo Filho, foram ao IML a pedido de dona Sarah:

"Dora Sarah pediu a mim e ao Murilo que fôssemos ao Médico Legal procurar o genro dela, Rodrigo Lopes, que ali estava, em nome da família, esperando o corpo chegar de Resende. Encontrei o Rodrigo muito abatido, numa sala da diretoria do Instituto, com alguns médicos e funcionários em volta. Dirigi-me a ele e dei o recado de dona Sarah, que desejava o velório não mais no Museu de Arte Moderna, mas no edifício da Manchete. Enquanto falava com o Rodrigo, ele foi interrompido por um homem que parecia estar desempenhando, com desembaraço, as funções de responsável pelo corpo de Juscelino."

"Era o Dr. Guilherme Romano. Eu o conhecia do tempo em que ele havia sido diretor do Departamento de Saúde Pública, se não me engano durante a gestão de Negrão de Lima na prefeitura do então Distrito Federal. Era um dos amigos mais íntimos do general Golbery do Couto e Silva, criador do Serviço Nacional de Informações e, posteriormente, chefe da Casa Civil da Presidência da República nos governos Geisel e Figueiredo. O general era considerado a eminência parda do regime militar pelos dois lados: situação e oposição."

"Guilherme Romano o socorria em seus muitos episódios de saúde comprometida por uma complicada doença nos olhos e ganhara grande prestígio pelo seu acesso ao general - tido como o feiticeiro do governo, o homem que manobrava nas sombras e ao qual era atribuído o lado substantivo de todas as medidas, boas ou más, criadas e impostas pelo Movimento de 1964."

"Naquele instante, olhei bem para o Dr. Romano, e tive vontade de perguntar-lhe o que ele estava fazendo ali, já que pessoas da família poderiam estar cuidando de tudo. Nada disse, não havia clima para isso. Na ocasião fiquei sabendo que o Dr. Romano estivera na delegacia de Resende, recolhera, mediante recibo, os pertences de JK que estavam no carro acidentado: um relógio Rolex, de ouro, uma pequena maleta com roupas, o livro "Oh Jerusalém", de Dominique Lapierre e Larry Collins, na edição francesa, o exemplar da Manchete que estava nas bancas, com a foto de Jânio Quadros na capa, e algumas poucas páginas do diário que JK vinha escrevendo desde 1972, relativo aos últimos dias que passou em Luziânia".

O Cony fez uma pausa e, depois, me perguntou:

"Você não acha estranho que o Dr. Romano, homem notoriamente ligado ao General Golbery, ao SNI, tenha sido o primeiro a aparecer no local do acidente?"

Devolvi a pergunta.

"Você suspeita de alguma coisa?"

"Não suspeito de nada. Apenas achei estranha a presença de um homem tão ligado ao sistema, no setor de informações e do controle de opinião pública, num acidente em que morreria um dos políticos que mais preocupavam o regime... talvez o mais vigiado..."

Espectros, espectros e mais espectros.


Nota do Editor: Anna Lee é jornalista, mestranda em Literatura Brasileira, autora, com Carlos Heitor Cony, de "O Beijo da Morte"/Objetiva, ganhador do Prêmio Jabuti/2004, entre outros livros. Colunista da Flash, trabalhou na Folha de S. Paulo e nas revistas Quem/Ed.Globo e Manchete.

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