Será que Deus vê tudo? Será que Deus estava vendo, lá de cima, a ação da máfia das ambulâncias, por exemplo? Deus, eu não sei. Mas há, em Porto Alegre, um azulzinho que vê tudo. Ele me viu, esses dias, dirigindo sem cinto de segurança. E me multou. Multa justa, devo dizer. E, no meu caso, inteiramente merecida. Médico de saúde pública, sempre listei o cinto de segurança entre as medidas que comprovadamente reduzem óbitos e lesões. Acontece que nós, humanos, às vezes resistimos a fazer coisas que nos beneficiarão. No caso do cinto, pode ser a preguiça, pode ser a displicência. Pode ser o fato de que, como no meu carro, às vezes o cinto fica trancado. Mas pode também ser questão de princípio: quando a lei do cinto foi introduzida, muita gente protestou, alegando que se tratava de uma violação de direitos individuais. Bom, aí já estamos entrando em terreno controverso, para dizer o mínimo. Direito individual? Sim, mas com repercussão coletiva. Porque se a pessoa sofrer um acidente, e, por causa do cinto, tiver lesões graves, exigindo hospitalização, é a sociedade que pagará por isso, na forma de despesa do SUS ou de seguro privado. Agora: existe também a inércia. Tomem Brasília, cidade que, em matéria de trânsito, é pioneira no Brasil: foi a primeira a introduzir o cinto de segurança e a primeira a exigir dos motoristas o respeito às faixas de segurança. Faixa de segurança, aliás, é coisa em que brasileiro algum, seja motorista ou pedestre, acredita: daí a admiração que a gente sente, na Europa, quando se vê os carros parando para dar passagem aos pedestres. Mas Brasília resolveu ensinar os motoristas a respeitar a lei - por meio de multas. E isto, no início, foi causa de acidentes. Um motorista vinha vindo e parava na faixa; o que estava atrás, não partilhando do mesmo respeito, não diminuía a velocidade e batia. Finalmente todo mundo aprendeu. Recentemente foi sancionada pelo presidente da República uma lei que altera o Código de Trânsito Brasileiro no que diz respeito ao excesso de velocidade. Muda a classificação das irregularidades (aparece a multa média, R$ 85,13 e quatro pontos na carteira) e diminui o valor das sanções. A medida gerou temores: a flexibilidade da punição poderia gerar aumento das infrações. Mas a lei, de autoria do deputado federal gaúcho Beto Albuquerque (PSB), também prevê que o motorista flagrado em excesso de velocidade pode perder a habilitação no ato (pela legislação atual, o documento só poderia ser retido em vias urbanas, não em rodovias). Colher-de-chá de um lado, castigo do outro. Que o trânsito brasileiro é um caos, todos nós sabemos. Para sair desse caos só há um jeito: criar uma cultura de respeito aos outros, nas estradas e nas ruas. Deus, que tudo vê, certamente estaria de acordo com isso. E conta com a ajuda dos azuizinhos e policiais rodoviários.
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