Parece-me improvável que venhamos a nos unir. O provável é que não nos vejamos nunca mais. Até acho que há de acontecer um encontro mais, ou até mesmo vários outros. Porque queremos. Só por isso. Mas não será um encontro casual. O casual não cabe entre nós. Não somos feitos da mesma matéria. Não fomos feitos um para o outro. Não há nada que nos atraia para o mesmo caminho, sequer para caminhos semelhantes. Não há nada que nos leve a esbarrar por aí. Nada. Mesmo assim sei que haveremos de nos encontrar. Por um simples motivo: desejo. E mais nada. Ah! Também porque não somos de nos conformar com a probabilidade das coisas. Em todo caso, se não conseguirmos driblar a improbabilidade da presença de um na vida do outro – aliás, principalmente se isso acontecer –, prosseguiremos com nossas almas intrincadas, mobilizadas pelo desejo que se consuma no processo que a ausência provoca. Eu me lembro quando nos conhecemos. Achei que você chegaria de trem. Sempre quis um amor que chegasse de trem, numa pequena estação de um lugar antigo. Seria uma manhã amena de outono e eu estaria lá à sua espera. Ansiosa. Hoje em dia, as pessoas não chegam mais de trem. Não nos trens fabricados na minha imaginação. Não numa cidade frenética em que a multidão não tem tempo para isso. Você não estava no meio da multidão quando o avistei, mas era como se estivesse. Um vernissage obrigatório. Um salão oco. Rostos desconhecidos para os quais eu devia sorrir. Sorri para você e pensei: Deus deve estar zangado comigo por colocá-lo diante de mim. O que achei que seria apenas mais uma noite transformou-se, então, em sempre. Nunca senti medo de você, mesmo quando devia ter sentido. Certas coisas merecem riscos. E não há outra forma de alcançá-las – que seja por algumas horas – a não ser pela disposição em se lançar num precipício. Qualquer pessoa sabe disso. No entanto, a pergunta recorrente se impõe: se soubéssemos o que aconteceria no final seríamos capazes de dar o primeiro passo? Uma insistência descabida. Faz tempo que estou convencida de que entre nós não cabe a pergunta, mas a afirmação: fomos capazes de dar o primeiro passo porque sabíamos o que aconteceria no final: um desvio perpétuo. Quer saber mais? Nada disso existiria sem você. Inevitável descaminho. Mesmo que nunca tivéssemos nos conhecido. Nota do Editor: Anna Lee é jornalista, mestranda em Literatura Brasileira, autora, com Carlos Heitor Cony, de "O Beijo da Morte"/Objetiva, ganhador do Prêmio Jabuti/2004, entre outros livros. Colunista da Flash, trabalhou na Folha de S. Paulo e nas revistas Quem/Ed.Globo e Manchete.
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