O sol se eleva e as catracas se ligam. Mal o Astro tinge de amarelo e vermelho o céu para a despedida das estrelas teimosas e os guichês já se enchem numa fila de pessoas. A grande centopéia de aço suspendida por forças eletromagnéticas escancara as portas para a entrada de milhares de seres. Eis o palco para o espetáculo das pessoas do metrô. Andam apressadas, atrasadas ou não. Sempre em ritmo frenético como o compasso do metrô, que vai além do "café-com-pão" do trem. Em cada estação novos personagens entram na cena urbana. A mulher de meia-idade, cheia de sacolas reclama das condições que vivemos. O casal que senta nos bancos distantes como fosse uma imposição para se isolar. Acomoda-se tão distante que a troca de olhares se torna constante, as mãos trêmulas enraízam como as linhas do metrô e selam com um beijo a triste despedida. Ah, como são astutas as pessoas do metrô... Encontram no emaranhado da lotação um diminuto espaço para se alojar. - Posso segurar sua sacola, senhora? As mãos afagam os pertences levados para que outras mãos possam apoiar-se no esqueleto metálico durante a viagem. É o itinerário das pessoas do metrô. Caminhada longínqua, barulho ensurdecedor. Caminho de trevas que ultrapassa o chavão da vã "luz do fim do túnel". Somente no final do destino surge a claridade. Aquele que está do lado de fora observa a chegada do monumento ambulante. Entretanto, a espera vem de forma inabalável, compassiva, intensa como a grega histeria. Ah, pessoas do metrô... Pensam que a eternidade entre perder e adentrar a carruagem no limbo da pressa dura apenas dois minutos. Lentos para uns, expressos para os admiradores. Para os que são permitidos desembolsar o caro ingresso não se perde uma sessão. A não ser estejam em busca de um motivo, que faça sair do seio do respectivo lar e se aventurar na alucinante jornada ao metrô. Tão intensa ou já mecanizada pela gélida sistemática chamada "rotina". Como são únicas as pessoas do metrô. Vão espremidas em suas solidões. Os mesmos olhares distantes, turvos, cegos de seus dilemas dos quais são interrompidos do transe pelo ousado vendedor de guloseimas. Arrisca por trocados o direito de navegar neste imponente sem ser pego pelos seguranças. Mãos ágeis quanto às passadas do gigante que não deixa pegadas. A cada destino, personagens novos, atuantes e privilegiados como os senhores e senhoras que possuem assentos à altura de suas cores - nem sempre respeitados, convenhamos, mas atuantes. Jovens entulhados de cadernos e os bebês, com aquelas expressões de curiosidade e alegres em desfrutar do brinquedo articulado, ou assustadas ao depararem com o mesmo. Mulheres e homens presos à leitura ou a contemplar a paisagem abolida nos parcos momentos sem a companheira escuridão. Solitário, o vento preso na redoma do coração férreo, pulsado pelo maquinista compenetrado em domar o dragão desconhecido em direção a São Jorge. O sol se despede e a lua consegue se destacar na atmosfera calejada pela poluição. Termina-se a exaustiva batalha diária e as catracas se desligam. O monstro adormece a insônia breve, pois logo terá de se levantar para mais um espetáculo. É assim a vida no metrô. Nota do Editor: Keli Vasconcelos é jornalista nativa de São Paulo - Capital. Já atuou em rádio, assessoria de imprensa, editora e revistas. Faz trabalhos como freelancer e está sempre na incansável e apaixonante luta por oportunidades.
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