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Crônicas
23/08/2006 - 16h01
Estilo emperiquitado
Deonísio da Silva
 

"O estilo é o próprio homem". A frase foi extraída do discurso de posse de Georges Buffon na Academia Francesa. Desde o século XVIII tem servido para ilustrar a afirmação de que, à semelhança da fala, também a escrita tem variações, às vezes muito sutis, que permitem identificar seu autor.

Rui Barbosa, mesmo em artigos escritos especialmente para os jornais, esquecia que o público era outro e os leitores não tinham obrigação de fazer um curso, ainda que breve, para entendê-lo. "O panfleteiro descachola de sua cachimônia estes comentários burlescos", escreveu certa vez.

É um estilo que lembra o do professor Astromar, de Roque Santeiro, que ao chegar à casa da namorada pergunta: "posso penetrar?". No contexto, a questão tem uma engraçada ambigüidade, pois a moça é virgem. Penetrar, dito em tal contexto, torna inevitável a referência implícita ao ato sexual. Na televisão, resultou em divertida cena, repetida a cada visita que fazia à namorada, vivida pela atriz Lucinha Lins.

Mas se penetrar é palavra de todos conhecida, variando, porém, o significado de acordo com o contexto em que aparece, "panfleteiro" e "descacholar" continuam ausentes dos dicionários. O grande jurista, querendo desqualificar o texto que criticava, referiu-se ao autor como "panfleteiro", recusando as opções que a língua portuguesa já oferecia desde o século 19: panfletista e panfletário.

Testei o estilo num café, com um garçom baiano. "O mancebo poderia angariar-me pequena efusão escaldante de rubiácea?". E, sem dar atenção ao espanto do rapaz, acrescentei: "mas sem desoxirribose, por obséquio".

Depois expliquei-lhe que tudo aquilo significava apenas um cafezinho sem açúcar. O garçom, que freqüentemente era xingado de ignorante por um advogado, quando viu seu algoz chegar, perguntou: "vai uma efusão de rubiácea sem desoxirribose?". "O mais difícil foi a desoxirribose", me disse alguns dias depois.

A busca da ornamentação forçada leva a emperiquitar o estilo. Na década de 1960, provavelmente depois de 1964, o Brasil foi infestado por uma praga lingüística, logo acrescida ao famoso rol das dez que afligiram o povo egípcio ao tempo de Moisés. Técnicos e burocratas pavoneavam-se na imprensa, fazendo previsões e análises em linguagem que os jornalistas logo tacharam de economês. Tal jargão tornava incompreensíveis, até mesmo para seus autores, os comentários sobre a economia, ditos ou escritos.

Uma coisa é enfeitar o estilo, buscar a beleza e não apenas a objetividade. Outra, bem diferente, é emperiquitar o texto, o que denota deselegância semelhante à roupa incompatível com a ocasião. A clássica pergunta "com que roupa eu vou?" bem que poderia ser aplicada por analogia às variações da escrita. Perguntado o que achava da linguagem de Jânio Quadros, um taxista saiu-se com esta: "a fala dele é como salsicha, ninguém sabe o que tem dentro".

É possível rastrear, na moda e na linguagem, o nascimento da arte de emperiquitar-se. É metáfora que fez insólito caminho em nossa língua. Periquito é palavra de origem espanhola. Veio de perico, diminutivo de Pero, Pedro. A tradução literal de periquito, em espanhol, seria Pedrito. Em português, Pedrinho. Suas penas foram utilizadas em leques e serviram também para ornamentar os penteados. Assim, emperiquitar-se veio a designar o modo, em geral extravagante, com que certas mulheres arrumavam os cabelos na península ibérica, incrustando penas desse pássaro nos arranjos caseiros para enfeitar-se. Posteriormente, as penas foram utilizadas também em pulseiras, gargantilhas, brincos etc. E emperiquitar-se virou sinônimo de se arrumar para festas, como as de Natal e Ano Novo, destacando-se pelo exagero.

Entre os que mais emperiquitam o estilo estão as imobiliárias e os condomínios. Seus redatores devem seguir o famoso dito: por que o simples, se o complicado também serve?


Nota do Editor: O escritor Deonísio da Silva é Doutor em Letras pela USP e tem trinta livros publicados, entre romances, contos e ensaios, entre os quais os romances Os Guerreiros do Campo, Avante, soldados: para trás, e De onde vêm as palavras, todos publicados pela Girafa.
 

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