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Crônicas
26/08/2006 - 11h17
A caixa mágica
Luiz Guerra - Agência Carta Maior
 

Isto aqui não faz muito tempo, mas, em certo sentido, é pura arqueologia.

Meu namoro com Maria do Carmo não tinha completado nem uma semana, e ela cismou que eu deveria conhecer seu avô, que não saía mais da cama.

Na primeira oportunidade, levou-me ao quarto dele, enaltecendo, como todos na família, a extrema lucidez daquele farrapo de noventa e nove anos de idade, que ainda era capaz de soerguer o punho esquerdo ao mais imperceptível solfejar do hino da Internacional. Uma manifestação ruidosa de falsa alegria tomava conta de uma platéia de desmiolados, que largavam tudo o que estivessem fazendo em casa para aplaudir freneticamente o patriarca.

Quando Maria do Carmo apresentou-me a ele, quis ficar sozinho com nós dois no quarto. Deixou escapar um bocejo de puro enfado e expurgou o resto do pessoal dali.

Súbito, num fiapo de voz, perguntou à neta:

- Ele sabe da caixa?

Ela sorriu meio sem graça, mas confirmou com a cabeça, e percebi que era outro de seus números domésticos.

Eu não sabia de caixa alguma.

Tranqüilizado com a resposta, ele virou-se na minha direção.

- Ontem saiu aquela história.

Olhei atônito para Maria do Carmo, ela colocou a mão em meu braço.

- Vovô achava que era só uma invenção dos irmãos Grimm, mas depois começou a ver a história saindo.

O jogo parecia forte. Julguei que devia dizer alguma coisa e arrisquei:

- Que bom!

O velho começou a tremer como um doido na cama, com falta de ar, e Maria do Carmo inclinou-se na direção dele, enquanto olhava para mim, fingindo contrariedade.

- Não é nada bom, seu bobo - falou-me, como se estivesse ralhando com uma criança.

- Vovô tem medo quando sai aquela história - e girou o indicador, próximo à fonte direita - É a que lhe causa mais medo.

- Bem - respondi, tentando mitigar a mancada, - essa é justamente a única história que não conheço.

Outra bandeira. O homem quase embarcou dessa vez.

- Então ele não sabe da caixa - gemeu, encarando a neta.

Ela entregou os pontos. O velho comunista, todo contente:

- Vai, pega o livro na caixa, conta para ele também.

Maria do Carmo fez o que o avô pedia. Apanhou na mesinha-de-cabeceira uma velha edição dos irmãos Grimm, que abriu automaticamente na página certa e começou a ler, pela enésima vez em sua vida:

- "A chave de ouro". Num dia de inverno, a terra toda coberta por uma espessa camada de neve...

O velhinho delirava, feliz, mijando-se todo de alegria.

A Internacional e essa fábula linda com que os irmãos Grimm justificaram para sempre a contação de histórias eram o que ele queria levar para o céu dos socialistas, quando chegasse a hora.

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