Os cientistas têm lá suas razões. Não me compete discuti-las, pois, para tanto, reuniram-se às centenas - eram 1,6 mil astrônomos – semana passada, em Praga, na República Tcheca, para banir Plutão do grupo dos planetas que compõe o Sistema Solar, este nosso insignificante endereço no Cosmo. A União Astronômica Internacional (UAI), que une as sociedades astronômicas nacionais do mundo e é membro do Conselho Internacional para as Ciências, é internacionalmente reconhecida como a autoridade responsável pela nomenclatura de estrelas, planetas, asteróides e outros corpos celestes e fenômenos na comunidade científica. Pode ser só uma questão de nomenclatura mesmo, mas fato é que a UAI - que em sua sigla já expressa o espanto não só dos mineiros - rebaixou Plutão de categoria. De planeta, passou a planeta anão. Mais do que uma questão nominalista, resta sempre a especulação da força simbólica do gesto, principalmente se entendermos que Plutão é o nome latino de Hades, deus que o mundo ocidental herdou, via Grécia, e que representa o senhor da casa dos mortos, habitante soberano de um reino insular das águas do rio Estige, ao qual se chega pelas mãos do barqueiro Caronte que, além de ser o responsável pela condução dos recém-mortos é também nome de uma lua de Plutão, o planeta, digo, o ex-planeta, ou melhor, o planeta anão! A ciência, assim, diante da falência de suas tentativas em superar a morte, escamotei-a, torna-a invisível, bane-a para além das fronteiras do nosso mundinho. Consultando o oráculo, lembrou-me que, hoje, a morte não é mais destino, é ocorrência banal: morre-se por crime, erro médico, falência múltipla de órgãos, erro humano, parada cardíaca, ou acidente. Banalizou-se a morte! A morte dissecada em cenários devastadores de violência explodindo no cotidiano das grandes metrópoles, nas cidades destroçadas pelas guerras, na insalubridade das taperas rurais ainda repletas de escravos, em todas as partes... A morte tão presente em tudo, simbolicamente destituída de sua epifania, relegada a um título menor e quase destituído de importância astronômica: planeta anão, já não mais na periferia, mas agora para além dos limites do que orbita nossa existência! Ainda sussurra o oráculo a guiar entendimentos: Plutão também é chamado Dite, "o cheio de dons", ou "o dadivoso", de onde vem também dita e ditoso... Sem a morte não há felicidade, porque sem a finitude não há prazer... Eis por que os deuses nos invejam. E a ciência, por seu turno, invejosa dos prodígios ainda exclusivamente divinos, vinga-se assim, sob a ironia das coincidências, destituindo Plutão - justamente ele, o detentor do poder de transformação, destruição, morte e regeneração - da grandeza de seu posto de último bastião na fronteira deste nosso limitado conhecimento a respeito de nossa pequenez e efemeridade! E este ciclo infernal que a inveja lança à desdita é, em si, o próprio lar de Hades. Lugar mítico em que a energia contrai-se urobolicamente, com o que é eterno ansiando por finitude e o efêmero empenhando todos seus recursos na busca da eternidade! O ciclo infernal, a roda sansárica, a virilha de Lúcifer, Dite, Hades, Plutão, esta arquetípica terra impossível de banir de nossa humana condição.
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