Homens são Marte, mulheres são Venus? Não. Homens são testosterona, mulheres são estrógenos. Pelo menos era nisto que acreditavam os primeiros pesquisadores que estudaram os efeitos dos hormônios sexuais, há pouco mais de um século. Em 1889, o fisiólogo francês Charles Édouard Brown-Séquard preparou um extrato líquido de testículos animais e injetou-o em si próprio. Os efeitos, segundo ele, foram tão notáveis que não hesitou em relatá-los a seus espantados colegas da Academia Francesa de Ciências. Segundo Brown-Séquard, então com 72 anos, o extrato havia aumentado seu vigor físico, intelectual e sexual; ele agora podia desempenhar perfeitamente suas funções maritais com a jovem esposa. Tinha até aumentado a força de seu jato urinário (urinar no chão é uma comum causa de briga entre casais idosos). Exageros à parte, as pesquisas continuaram e levaram à descoberta da testosterona sintética, hoje amplamente usada.

A verdade é que a testosterona goza de um prestígio fantástico, inclusive entre jovens atletas (que às vezes abusam da substância: recentemente o campeão de ciclismo Floyd Landis, vencedor da Volta da França, foi punido por usar testosterona como doping). Testosterona aumenta os músculos e faz crescer os pêlos do peito, verdade que com um risco não pequeno de efeitos colaterais.

Mas será que o homem é mesmo a sua testosterona? Muita gente acredita que sim, baseada inclusive em evidências científicas. Para começar, fêmeas de rato que receberam o hormônio masculino ao nascer não apenas desenvolveram pênis, como também sabiam usá-lo. Mais que isto, a testosterona condiciona o comportamento, como o comprova a presença de receptores para o hormônio no cérebro do homem. Macacos que olham outros macacos tendo relações sexuais experimentam um aumento de 400% na sua testosterona, mostrando que voyeurismo funciona. O mesmo aconteceu com torcedores na Copa do Mundo: se o país deles ganhava, a testosterona subia (está aí um bom motivo para processar o Parreira). Testosterona aumenta o nível de agressividade: nas prisões, o nível do hormônio é mais alto naqueles que cometeram crimes violentos. Mas estes resultados não são inteiramente convincentes. É a testosterona que eleva o potencial agressivo ou é o impulso para a agressão que eleva o nível de testosterona? É uma dúvida.

Outra dúvida diz respeito ao papel da testosterona na masculinidade. Porque o hormônio não está presente só no homem. Como diz a pesquisadora norte-americana (Brown University) Anne Fausto-Sterling, em seu livro Os Mitos do Gênero, isto não passa de um preconceito segundo o qual mulher é uma criatura na qual "falta" alguma coisa, no caso a testosterona. Preconceito aliás desmentido pela ciência: o organismo da mulher também produz o hormônio masculino. É o hormônio do desejo, diz a psiquiatra Susan Rako, e isto tanto no homem como na mulher. A doutora Rako diz que a deficiência de testosterona da mulher diminui a massa muscular, a energia e a libido. Em Melbourne, na Austrália, um grupo de pesquisadores está estudando a reposição hormonal pela testosterona em mulheres.

O que não deixa de ser uma coisa simbólica. Há diferenças entre os sexos, mas há também um território comum, que inclui os hormônios: o território da nossa humanidade. Homens não são só testosterona, mulheres não são só estrógenos (o fato de que o hormônio masculino tem nome feminino e vice-versa é uma coincidência significativa). Marte e Vênus? Apesar dos vôos espaciais, estão muito longe. É aqui na Terra que a gente resolve nosso destino.