A vida é como um rio, os peixes são as nossas ilusões. Imaginamos poder permanecer brincando neste leito, dormir neste remanso, atravessar aquela corredeira, subir aos pulos aquela cascata, mas as estações se sucedem e estamos sempre um nível abaixo, acompanhando todos os fragmentos que o rio arrasta eu sua declinação inexorável. Temos a sorte de ser um desses fragmentos, acompanhando o rio mesmo na estrondosa catadupa, e a nenhum aventureiro, mesmo ao mais poético e sagaz, será dado o direito de retornar às nascentes, não deste rio. Quando muito, lançamos um peixe para galgar as corredeiras, buscar as notícias do que fomos, dos rumores que produzimos no leito manso, dos encontros com outros fragmentos de vida deste rio. E ele volta recoberto de algas e plasmas, narrando episódios das esperanças mortas e dos sucessos intangíveis. A esperança de alguns é construir uma jangada, sobre a qual dormir e contemplar a paisagem, ganhar domínio sobre o fluxo, mudar o curso do rio, e jamais tornar às águas onde se debatem os mais infelizes. Na jangada os sonhos são como pássaros, que voam mais longe, mesmo para fora do leito, mas eles também retornam, e ainda que a embarcação seja segura, o rio anda, as estações se sucedem, e todos já estão alguns quilômetros adiante, tentando segurar a corrente impetuosa, escrevendo na flor d’água para registrar esta passagem, reunindo-se em grupos para cantar e louvar àquele que nos lançou nesta correnteza, pedindo perdão pelas tentativas de burlar as leis inelutáveis do rio eterno. Eis que passaremos, disseminados no oceano que ao rio absorve, enquanto aquele leito permanece absurdamente vivo pelas vidas que arrasta consigo. Quando não restar nenhum de nós para escrever nas águas as memórias deste leito, os peixes morrerão de fome e o rio finalmente secará.
|