A palavra crise freqüenta, com uma assiduidade estonteante - junto com algumas outras, como carestia, inflação, dívida externa, corrupção e violência - nosso vocabulário cotidiano há muito tempo. Aliás, não me lembro de uma única época em que o assunto não viesse à baila e, pior, em que não sentíssemos os efeitos desses males na própria pele. Desconfio, até, que essa tenha sido uma constante na vida nacional desde que o País foi descoberto, ou desde que, pelo menos, se tornou independente. Pode parecer exagero, mas tudo indica que sejamos incuráveis viciados em crise. Entra ano, sai ano, entra governo, sai governo, e lá estamos nós, imersos em algum escândalo ou em alguma grave dificuldade financeira ou social, ou em alguma emergência ditada por graves perturbações da ordem pública; em suma, em problemas de toda a sorte a exigirem soluções urgentes que, ao fim e ao cabo, acabam nunca sendo encontradas e, conseqüentemente, adotadas. Já abordei esse assunto dezenas de vezes, neste espaço e, com certeza, voltarei um sem-número de vezes ao tema, que é onipresente. Desde menino, quando tinha seis ou sete anos de idade, ouvia meu pai falar de crises e nunca, ao que me recordo, deixei de ouvir essa palavrinha pernóstica uma mísera semana que fosse. No rádio, na televisão, nos jornais, nas revistas (e, de uns tempos para cá na internet), ou em conversas informais com os amigos (não importa em que meio de difusão, portanto) o assunto tem cadeira cativa, é recorrente, sempre esteve, está e desconfio que sempre estará presente. E olhem que sou um homem vivido, um mourejado sessentão! Muito do que acontece de errado no País se deve ao nosso comportamento face à cidadania, à nacionalidade e à sociedade. Antes de ser deposto, por exemplo, em 15 de novembro de 1889, o imperador Dom Pedro II, em pleno século XIX, confessou-se decepcionado com o exacerbado individualismo do brasileiro. Já na sua época era coisa comum essa nossa mania do "jeitinho", da burla à lei, do "levar vantagem em tudo". Basta ler as deliciosas crônicas da época, de nossos consagrados escritores de então, notadamente de Machado de Assis, para vermos esse procedimento escancarado. De lá para cá, mudaram, apenas, os personagens. Ou seja, "as moscas"... Nossas crises, porém, terão que ser resolvidas por nós mesmos, sem que seja possível delegar a quem quer que seja essa tarefa. Não adianta esperar milagres, mágicas ou o surgimento de "salvadores da pátria" e nem nutrir qualquer fantasia do gênero. A fórmula, quer se queira, quer não; quer se acredite nela, quer se ridicularize essa solução; é uma só, e única: trabalho, trabalho e trabalho. Somos um país, é verdade, mas ainda não uma nação. Na raiz da formação de qualquer nacionalidade, deve haver, sempre (trata-se de condição sine qua non) o sentido de comunidade. E o que isso significa? Para entender melhor, convém ir à origem do termo. Trata-se de uma palavra composta, de uma junção das expressões latinas "cum + unitas", com o significado de "unidade feita pela integração ou participação de muitos" (o ideal seria que houvesse, claro, a participação de todos, o que, convenhamos, não passa de delirante utopia). Na impossibilidade do consenso, porém, torna-se indispensável que pelo menos a maioria reme sempre na mesma direção. Ou seja, que queira as mesmas coisas, comporte-se de forma semelhante e atue de modo harmonioso e cooperativo. É o que ocorre no País? Claro que não! Uma comunidade nacional, portanto, é aquela em que há atuação conjunta, harmônica e espontânea dos seus integrantes em busca de objetivos comuns. Implica, necessariamente, em cooperação, livre, soberana, ditada somente pela vontade individual e pelo livre-arbítrio. Para isso ocorrer, e dessa forma, é indispensável que haja consciência dessa necessidade, que deve ser despertada, desde muito cedo, nas pessoas, junto com o aprendizado básico de qualquer ser humano, como andar, falar, se relacionar em casa e na rua etc. Trata-se, pois, de tarefa dos educadores (no caso, pais, professores, igrejas, meios de comunicação etc.). Parte considerável, portanto, da crise crônica do País está num sistema educacional deficiente, que peca, principalmente, em sua filosofia e em seus objetivos. Para o quê, por exemplo, educamos nossa juventude? Para a mera conquista desse conceito vago, chamado sucesso? Para que os educandos ganhem bastante dinheiro nas profissões que escolherem e consumam o máximo que puderem, sem reflexão ou pudor? Para a mera formação de mão-de-obra especializada para o sistema produtivo? Ou para a realização de ideais que devem ser permanentes, como igualdade, justiça, solidariedade, cooperação etc. etc. etc? Que cada um responda, com absoluta sinceridade, essas questões. Enquanto não educarmos convenientemente as novas gerações, continuaremos, por anos afora, desesperadamente, viciados em crises. Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor.
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