Pode ser um chavão, mas não custa repetir: Adriana Calcanhotto é um orgulho para o Estado do Rio Grande do Sul e para o Brasil. Faz parte de um grupo de artistas que, graças ao talento, projetou nossa música internacionalmente. Aliás, é uma coisa curiosa: nos Estados Unidos, escritores como Machado de Assis e Clarice Lispector são conhecidos, mas em geral só no meio universitário. Para os americanos, cultura brasileira é música. Começaram com Carmen Miranda, continuaram com Garota de Ipanema e seguem nos ouvindo. Cantar é mais eficiente que contar (histórias). Sempre foi. A poesia, por exemplo, é uma tentativa de captar o ritmo e a melodia das canções através de palavras faladas ou escritas. Por outro lado, escrever está ao alcance de muita gente; cantar, a não ser através do karaokê, nem tanto. Temos de nos resignar à posição de cantor de banheiro. O cantor de banheiro. Está aí uma figura que merecia ser estudada, se não em uma tese universitária, pelo menos num ensaio. Porque se trata de uma situação típica, tanto que Eduardo Dussek dedicou-lhe uma composição intitulada, justamente, Cantando no Banheiro. Mas por que, mesmo, cantamos no banheiro? Em primeiro lugar, porque estamos sozinhos. Ou seja: não temos platéia, não contamos com aplausos, mas também não temos de suportar as vaias. Somos os artistas e somos, ao mesmo tempo, o público. Artista entusiasta, público entusiasta. A nossa voz ressoa poderosa naquele recinto fechado, que funciona como verdadeira caixa acústica. E também cantamos porque estamos felizes. Não se trata daquela coisa de espantar os males cantando; na verdade, nem pensamos em nossos males. Banho é, ao menos depois da infância e da adolescência, uma coisa boa. A água é gratificante; afinal de contas somos gerados no líquido amniótico, o que evoca o passado aquático das espécies. A água nos estimula, nos dá a sensação de limpeza, de liberdade. De liberdade inclusive para cantar. É claro que esta magia é transitória; tão logo saímos do chuveiro, ela acaba. Ninguém canta quando está se secando com a toalha. Diferente da água, a toalha não é musical. Era uma vez um homem que cantava no banheiro. Como muitos, naturalmente, mas com uma diferença: no banheiro, esse homem era um grande cantor, um notável tenor. As árias de Verdi que ele interpretava eram verdadeiras maravilhas. No apartamento de baixo, morava um empresário artístico. Uma vez, ele ouviu o vizinho de cima cantar e logo se deu conta de que se tratava de um artista, de um Placido Domingo, de um Pavarotti. De imediato, procurou-o e fez-lhe uma proposta: queria lançá-lo como cantor profissional. O tenor de banheiro de início estranhou, mas resolveu fazer uma tentativa. E aí surgiu o problema, intrigante problema. Porque o nosso cantor só funcionava no banheiro. No palco, a voz dele soava inevitavelmente medíocre. Só havia uma solução, e o empresário não hesitou em a ela recorrer: seu cantor se apresentaria em teatros, mas dentro de uma espécie de banheiro, com chuveiro e tudo. E o espetáculo se chamaria, exatamente, Cantando no Banheiro. O plano foi levado adiante e funcionou maravilhosamente. O sucesso era tremendo, o tenor percorreu o mundo encantando platéias (e mantendo a higiene corporal). Mas então, um dia, o imprevisto. No meio de um espetáculo, realizado em uma cidade da América Latina, faltou água. O tenor imediatamente parou de cantar. Foi vaiado, mas não voltou ao palco. E decidiu encerrar ali mesmo sua carreira: a frustração tinha sido demais. Elvis Presley morreu no banheiro de sua casa. O nosso cantor não chegou a tanto. Mas sua experiência, ainda que ficcional, serve para nos mostrar como são estranhos os caminhos da existência.
|