Noite enluarada. As comemorações da festa de Nossa Senhora dos Remédios, padroeira de Parati, reverberam pelas ruas repletas de turistas. As quatro igrejas iluminadas são despertadas pelo badalar dos sinos e as bandeirinhas brancas e azuis deslizam suaves sombras sobre as pedras do calçamento da cidade histórica. Quase é possível sentir o dia-a-dia colonial, um murmurinho presente na rotina dos séculos percorridos, nos símbolos maçônicos manifestos nas fachadas dos sobrados, na devoção dos fiéis durante a procissão... Um grupo eclético reúne-se para ver a mística performance de Alexandre, o vendedor de mandalas. Com uma música esotérica e com mandalas de tamanhos variados, o jovem recria mundos, luas, abrigos... Em trajetórias circulares rabisca a noite, dá unidade ao corpo, desenha o horizonte e desfolha as místicas rosas em enigmáticos liames brilhantes... O público participa, acompanha atento o movimento das circunferências que prateiam a noite. Ao final da apresentação, o jovem explica as mandalas com um alegre riso a descrever a órbita dos astros tantas vezes ofuscados pelos caminhos autômatos. A palavra sânscrita que representa círculo e traduz a relação do homem com o cosmos ganha corpo e dimensões plurais. Alexandre é um vendedor de sonhos e conhece intimamente o produto que negocia na memória histórica de suas vivências. Artesão criativo, o jovem aventurou-se no mundo, criou rumos, retas e espirais... Ganhou reconhecimento com a concepção de jóias, mas deixou de dedicar-se integralmente à criação de artefatos de prata para criar mandalas. Trocou a vaidade pela essência numa escolha ousada e ancorou na mágica cidade de Parati. Compenetrado, ao som de uma música esotérica, o jovem movimenta-se em completa comunhão com as mandalas. Quando o acompanhamento musical encerra, ele repousa suavemente as mandalas de sua apresentação e diante de algumas indagações mais objetivas, permanece reticente... "Para que servem?", "Para nada, mas Einstein tinha uma..." Confidencia aos mais próximos com um sorriso maroto: "Existem pessoas que não servem para as mandalas." Algumas pessoas continuam indiferentes, talvez um souvenir... Mas a maioria dos presentes é contagiada pelo objeto circular. Os olhos acompanham os movimentos ansiosos das mãos. É possível vislumbrar as mandalas da abadessa visionária do século XII, Hildegard von Bingen, a representação sagrada dos ciclos, dos anos, da vida... A projeção da lucidez dos pacientes da Drª Nise da Silveira, como as mandalas de Fernando Diniz, nas tantas pinturas que formam o arquivo do Museu do Inconsciente... Ou as infinitas imagens psíquicas do inconsciente coletivo... O vendedor de mandalas recomeça sua performance diante do encantamento de algumas crianças que se aproximaram e brincam com o círculo redescoberto. As formas são as diversas possibilidades de recriar a realidade. Os adultos percorrem os caminhos do ventre e confortam-se nos abrigos interiores encontrados com a religação do espaço e do tempo divino.
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