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SEÇÃO
Crônicas
17/09/2006 - 10h46
Judite
Luiz Guerra - Agência Carta Maior
 

Confesso que estava morrendo de medo.

Pedir a uma personagem viva permissão para publicar uma crônica onde se fala com todas as letras de um episódio erótico entre ela e o cronista não é nada fácil. Mas eis que Judite — viúva, assumidamente fogosa e dona do seu próprio nariz — achou uma glória a divulgação desse momento privilegiado. E até exagerou um pouco no e-mail com que respondeu ao meu pedido: "Luiz, meu querido, foi a abordagem masculina mais poética de toda a minha vida. Conte, meu amor. Mas conte tudo."

Antes assim.

Não era a primeira vez que pegávamos o mesmo elevador no saguão do prédio, mas ontem a cinqüentona do 319, uma paquera já siluriana, parecia muito excitada, distribuindo simpatia. Apertava contra o peito um envelope amarelo e não tirava os olhos dele, toda orgulhosa, puro êxtase.

Assim que saltamos, não se conteve:

"Estou com as fotos da formatura da Carminha aqui. Quer dar uma olhada?"

"Vamos a isso", respondi, disfarçando minha timidez com essa peremptoriedade meio babaca. Mas bem lá no fundo lamentava que não fossem fotos de praia, pois a filha dela, que agora morava em Fortaleza, fechava mais comércio do que traficante de drogas.

Não me entregou o envelope. Parados no meio do corredor deserto, Judite ficou de costas para mim, quase apoiada em meu peito, e eu espiava por cima do seu ombro direito enquanto ela ia passando as fotos. Numa delas, soltou um profundo suspiro e, sem olhar para trás, balançou-a diante dos meus olhos, indagando:

"Não é linda?"

Claro que era linda, lindíssima.

Mas, tomado de súbita inspiração, limitei-me a dizer junto ao seu ouvido:

"Teve a quem puxar."

Ela sentiu o tranco. Não sabia onde enfiar a cara, toda vermelha, engrolou duas ou três palavras, sem fôlego, tentando ou fingindo concentrar-se no pequeno álbum de fotografias. Ainda assim, reparei que seus mamilos tinham ficado duros, por muito pouco não lhe furavam a blusa de malha fina. Dava para suspeitar que tinha grandes aréolas, como duas mandalas vivas e famintas de dentes.

Pousei a mão esquerda em seu ombro e pressionei, como um recado definitivo. Enlacei-a por trás e trabalhei com paciência os seus peitos, com toda essa disponibilidade para o carinho que Deus me deu. Curiosamente, eu é que estava fazendo Judite perder a cabeça, bagunçando a versão bíblica. Por fim, nos beijamos, um beijo longo, esfomeado, numa tal confusão de línguas que era difícil dizer quem estava mais a perigo.

Em suma, no papo. Ambos, naturalmente.

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