A primeira dificuldade é encontrar um espaço na cozinha para dois cestos de lixo. Se a coleta for seletiva, a ponto de separar plásticos de papéis, vidros e metais, serão necessários quatro ou cinco cestos. Se a cozinha for grande... mas a minha é pequena, então tive de pendurar uns ganchos junto ao guarda-louças para prender os sacos dos resíduos não orgânicos. O segundo passo foi cavar um buraco no quintal para jogar os restos de comida. Por mais que você capriche, um buraco é sempre um buraco. Fica feio e até perigoso, e eu não cogitei na possibilidade de construir uma tampa. Ficou a céu aberto, então vinham as galinhas da vizinhança para o almoço. Fiquei irritado no princípio, pois o que eu queria era ver aquele buraco repleto, o lixo transformado em adubo, e depois adubar a horta e poder proclamar a todos: “comemos repolho adubado com nosso lixo, não estamos matando a Terra”. Mas as saqueadoras não eram em número suficiente para consumir todo o material, e mesmo se o fizessem, de alguma forma o propósito inicial estaria realizado: encontrar um destino adequado para o espólio da nossa fome. O embaraço maior estava com as sacolas. Na hora do despejo, sempre sobram restos de gordura, pedaços de macarrão, sementes de tomates e traços não identificados de outros alimentos, que, após um dia ensacados, começam a tomar um aroma mais ou menos azedo. Que fazer, então, com as sacolas sujas? Seria conveniente lavá-las e empacotá-las na sessão de “plásticos”. Mas era pedir demais a um ecologista recém-convertido. Além disso, percebi que na cozinha se formam inúmeras substâncias que não podem ser classificadas como orgânicas, e muito menos são papéis, plásticos, vidros ou metais. São uma mistura de tudo isso: escamas de peixe grudadas em jornal molhado; pacotes de plástico impregnados com maionese; filtros de café usados e latas de molho velho de tomate. Decidi que esses elementos deveriam ser entregues ao caminhão de lixo como “lixo”, mas com a consciência pesada, sabendo que com um esforço a mais eu poderia separar adequadamente aquelas sobras. Foi então que me vi lavando os sachês de catchup e os pacotes de leite depois que esgotava a última gota. Pensei no dissabor daqueles que abrem os pacotes nas fábricas de materiais recicláveis. Sei lá como é esse processo, se o pacote é jogado com leite azedo e tudo dentro de uma máquina e se lá do outro lado saem copos e escovas de dentes! É preciso elaborar um pensamento antes de se ver sobre a pia lavando a lata de leite condensado antes de jogá-la na sacola de “metais”. É necessário pensar naqueles que estarão manipulando esses materiais, mas para se chegar a este ponto há um longo trajeto. Damos uma rápida passada de água na latinha — para desentulhar a consciência — mas a verdade é que, se realmente queremos contribuir, devemos lavá-la pelo menos três vezes e, depois, entregá-la a um desconhecido que lucrará com nosso trabalho! Temos muito a aprender sobre as técnicas de reaproveitamento do lixo. Mesmo conscientes dessa necessidade, as dificuldades iniciais são enormes. É árduo pensar e fazer ecologia dentro de casa, enquanto não a incorporamos aos nossos costumes. Folgado que sou, instruí a Marineti a levar o lixo orgânico ao buraco do quintal, e sosseguei. Somente após alguns dias, passando pelo local, percebi que ela estava jogando as sacolas junto com os restos mortais dos nossos almoços. Àquele lodo de cor preta e cinza, misturado com cascas de laranja e minhocas marrons, juntavam-se os plásticos azuis e verdes do supermercado, tornando ainda mais colorido o poço de lixo. Marineti estava fazendo a coisa certa. Eu é que havia esquecido de passar a informação correta! A televisão costuma mostrar uma montanha de catástrofes ecológicas e umas poucas ações isoladas para o reaproveitamento de materiais. Mas tive o prazer de assistir, há poucos dias, a um programa da emissora americana, que mostrava como se multiplicam em todo o Brasil e no mundo as iniciativas de preservação ambiental. Parece que o bicho ecológico cresceu, está se tornando adulto. As novas gerações estão ligadas no processo de salvaguardar a vida, e mesmo as hipócritas iniciativas das empresas com ISSO-MIL são bem-vindas. É claro que se tornaram ecologistas somente porque com isso ganham a simpatia dos consumidores, mas devemos olhar os pontos positivos da situação: 1) é um indício de que a população está realmente interessada nesse tipo de ação; 2) tal comprometimento mega-empresarial deve estar resultando em ações efetivas a favor do ambiente, em algum lugar do mundo, talvez nas Antilhas.
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