Dirijo esta carta a César Teles e sua esposa Maria Amélia, que estão processando o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra por crime de tortura. Não sei se vocês sofreram mesmo o que dizem ter sofrido no Doi-Codi. Isso deve ser investigado com todo o rigor e, se confirmado, vocês devem receber todas as compensações judiciais, morais e financeiras que lhes caibam. Até a sentença final da Justiça, tudo é hipótese e conjetura, nada mais. Há, no entanto, alguns fatos que são certezas incontestáveis. Primeiro: na época dos crimes alegados, vocês dirigiam a gráfica do PC do B, o Partido Comunista do Brasil. Segundo: o PC do B era o partido maoísta, encarregado de legitimar, enaltecer e, se possível, expandir pelo mundo o regime mais assassino, genocida e torturador que já existiu na história humana, responsável pela morte de pelo menos 60 milhões de pessoas, o triplo do que Stalin matou na URSS ou Hitler na Alemanha. Terceiro: as torturas praticadas no Laogai - a rede de presídios políticos chineses - não consistiam apenas em choques elétricos e queimaduras com pontas de cigarros, como aquelas que vocês alegam ter padecido. Incluíam e incluem espancamentos e mutilações variadas (de mãos, braços, pés, orelhas e narizes), além de um vasto repertório de agressões psicológicas calculadas por engenheiros comportamentais para quebrar a última resistência dos mais valentes e obstinados. O quarto fato é o mais bonito de todos: as pessoas que foram submetidas a esse tratamento hediondo nem sempre o foram sob a suspeita de promover, como vocês, a violência armada a soldo de um regime inimigo. Eram acusadas de ler bíblias, de ter uma cabra escondida para dar leite a seus filhos, de comer porções de arroz além do permitido pelo governo. Vocês ajudaram a embelezar a imagem do regime que fez essas coisas, e jamais deram o mínimo sinal de arrependimento. É absolutamente ridículo pretender que vocês sejam contra a tortura. Vocês só não gostam de sofrê-la, é claro. Mas nunca acharam ruim que os chineses a praticassem em escala superior a tudo o que a imaginação macabra de ficcionistas doentes pudesse ter inventado nos séculos anteriores. Mesmo que o coronel Ustra ou qualquer outro houvesse feito o que vocês dizem que fez, ainda seria bastante inofensivo se comparado aos comunistas chineses a cujo serviço vocês estavam na ocasião. Moralmente, vocês - ou qualquer outro militante do PC do B que antes de acusar os crimes da ditadura brasileira não confesse os seus próprios - estão abaixo de delinqüentes comuns, que com freqüência se envergonham do que fazem ou pelo menos não insistem em serem premiados por isso. Talvez vocês tenham direito à sentença declaratória que exigem, ou até a indenizações. Mas não têm direito a nenhuma piedade, consideração ou respeito. Se ganharem o processo, peguem logo seu atestado de vítimas, seus diplomas de heróis do maoísmo internacional, e vão para casa rir, com o proverbial cinismo comunista, da ordem jurídica burguesa que uma vez mais terá servido de instrumento para a sua própria destruição. Nota do Editor: Olavo de Carvalho é jornalista e filósofo nascido em Campinas, Estado de São Paulo, em 29 de abril de 1947. Tem sido saudado pela crítica como um dos mais originais e audaciosos pensadores brasileiros. Professor de filosofia e diretor do Seminário de Filosofia do Centro Universitário da Cidade (RJ). Autor das obras "O Jardim das Aflições" e "O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras". Editor do site Mídia Sem Máscara.
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