"Espelho, espelho meu, existe mulher no mundo mais linda do que eu?" Quando a rainha da história da Branca de Neve fazia essa pergunta ao espelho mágico, esperava que este reforçasse sua vaidade com uma resposta negativa. As brasileiras também: pelo menos é o que diz uma antiga lenda, segundo a qual o nosso país seria um reduto da vaidade feminina. Não é bem assim. Pelo menos, é o que sugere um artigo publicado na excelente revista Mente&Cérebro, a versão brasileira do Scientific American. A matéria, que se intitula justamente Diante do espelho, parte de uma pesquisa coordenada pela psicanalista Maria Cristina Souza de Lúcia, do Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo, tendo como propósito investigar o grau de satisfação com a própria imagem. Foram entrevistadas 346 pessoas de ambos os sexos. E os resultados foram surpreendentes: 57% dos homens e 80% das mulheres mostraram insatisfação com a própria imagem. São pessoas que, provavelmente, perguntariam ao espelho mágico: "Espelho, espelho meu, existe alguém no mundo mais feio do que eu?". E a resposta que elas próprias se dariam seria um contundente não. O fascínio pela própria imagem (e o fascínio por si mesmo, de maneira geral) tem um nome: narcisismo. Segundo a lenda grega, Narciso era um menino muito lindo. Tanta beleza preocupava a mãe, que resolveu consultar a respeito o sábio Tirésias. Este lhe disse que Narciso só teria vida longa se não contemplasse a sua imagem, coisa que a mãe tratou de evitar - até que um dia o jovem foi beber num rio e ali se viu, refletido na água. De imediato apaixonou-se por si próprio, repelindo inclusive a bela ninfa Eco que dele estava enamorada. Narciso acabou jogando-se à água, onde se afogou: morreu vítima de seu narcisismo. O desgosto com a própria imagem não leva a pessoa a estes extremos, mas causa depressão e ansiedade. Metade dos entrevistados de bom grado se submeteria a uma cirurgia, visando a corrigir este ou aquele defeito. O artigo da revista cita o caso de um rapaz que já havia passado por nada menos que 19 cirurgias remodeladoras - orelhas, nariz, queixo - e que agora queria aumentar o tamanho dos pés. Mas isto não acontece só no Brasil, claro. Nos Estados Unidos, ficou famoso um programa televisivo que "premiava" os espectadores com cirurgias plásticas, à escolha deles. O desgosto com a própria imagem tem nome: chama-se transtorno dismórfico corporal, ou dismorfofobia. No fundo, a situação reflete uma baixa da auto-estima. São pessoas que se valorizam muito pouco, e projetam este sentimento de inferioridade naquilo que enxergam no espelho. Ou seja, estas pessoas precisariam não de um espelho mágico, mas de um espelho sábio. Um espelho que respondesse de maneira diferente à angustiada pergunta que os dismórficos fazem: "Vamos discutir melhor esta questão. Por que você me interroga a respeito?". E por aí seguiria, até dar alta ao paciente. É claro que este diálogo é inteiramente possível na psicoterapia. Ali nós não ouvimos o que queremos ouvir, ouvimos aquilo que precisamos ouvir. Aprendemos a aceitar a realidade, sem o ataque de fúria que levou a rainha a querer liquidar Branca de Neve. Tão perturbada como Narciso, a rainha foi incapaz de aceitar uma informação da qual não gostou. Pagou caro por isso e nos deixou uma lição: nem narcisismo nem transtorno dismórfico. Equilíbrio emocional é o de que mais necessitamos. Na frente do espelho ou longe dele.
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