Já não me olham com a simpatia dos primeiros tempos na lojinha de internete que descobri em Madureira, não obstante toda esta minha pinta de inofensivo mestre-escola aposentado, quase saído das páginas do reacionário Thomas Hardy para o tumultuoso mundo dos chipes. Tenho chegado por volta das oito da manhã, com o meu caderno de rascunhos debaixo do braço, e encontro a sala de micros deserta, uma bênção. Escolho o mais próximo do janelão de sobrado, abro o editor de texto e dou uma boa escovada na crônica da semana, para não fazer feio na Carta Maior nem desapontar os visitantes do meu Galho de Arruda, a página literária que administro na grande rede. Nesse meio tempo, uma garotada do barulho - secundaristas matando aula - já invadiu a entrada do prédio e começa a espichar uma grande fila na calçada do cibercafé, olhando para mim com especiosa neutralidade. Há um crescente burburinho entre elas e eles, não entendo absolutamente nada do que estão tramando ou contando uns aos outros, mas fica muito claro que exigem mais micros no estabelecimento e menos coroas no pedaço. E olhem que estou de bermudão, camiseta branca gegê e sandálias de dedo... Alvo da expectativa deles, que me querem longe deste pequeno escritório de aluguel, não navego mais com segurança. Sinto-me à deriva, pronto para abandonar o navio ao primeiro sinal de motim. Sei perfeitamente que não passam de grumetes, mas são grumetes de outra era, bem mais experimentados do que este velho capitão costeiro. É melhor dar o fora. Tento alcançar um porto seguro. Consigo copiar o rascunho da crônica no Galho de Arruda, mas vejo-me obrigado a evitar outros sítios, a desviar-me da caixa de e-mails, a deixar para outra hora as revisões e traduções que me encomendam. Deleto rapidamente todos os meus rastros e abandono a sala, quase um farrapo. Ou náufrago. À saída da loja, uma salva de palmas irrompe de todos os lados, celebrando minha rendição.
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