Com aquela irresistível autoridade de médico ele me disse: - Assim não pode. Podem querer saber se eu repliquei. E sim, eu o fiz. Mas isso faz parte dessa pessoa errada que eu sou. Então isso deu naquilo. Uma série de novos remédios e uma série de recomendações de como se é simplesmente normal. Os médicos, novos Tirésias, estão lá para ajudar-nos a conhecermo-nos, Édipos! Ainda que no final você resulte sem os olhos. O que importa é não matar o pai e não dormir com a mãe. Os médicos têm o dom peculiar e exclusivo de prever o futuro, e mais fascinante, acertar quem você é. Se Sócrates conhecesse os psiquiatras ele nunca teria seguido o conheça-te a ti mesmo de Delfos, pois ele saberia que é impossível por menos de duzentos contos ou uma fila considerável no HC. E digo isto, não sem intenção de prová-lo. Considerem toda a miríade de doutores que vossas frágeis carnes foram obrigadas a consultar. Lembrem-se de cada aperto de mão e o tom profético: - Senão vai acontecer isso, ou aquilo. Mas sempre vai acontecer algo. Os gastros, os otorrinos, os dermatos, eu imagino de onde eles tiram tudo aquilo. Mas os psiquiatras, não sei. Não nasci para entendê-los, contrário a eles, que nasceram com a minha ficha, em quem eu deveria me transformar; o meu passado e o meu futuro pelo módico preço que já vos falei, na média. Meu pai perguntou se eles não falam em atividades esportivas. Acho que é o próximo passo. Talvez eles me queiram ariana, uma potência das argolas, ou do salto triplo. Mas por enquanto eu só preciso deixar de ser quem sou. E ir me transformando no que as medicações que eu ou vós desconhecemos completamente. Tudo isto, porque eles procuram uma padronização, uma normalidade a que eu definitivamente não correspondo. Ou antes, nem sei do que se trata. Vós sabeis? Mas eu me lembro da frase do Otto, mineiro e asmático como eu: "Na alma não se mexe". Devem estar se perguntando por que eu os freqüento. E para não deixar meus leitores sem explicação, devo lhes responder imediatamente enquanto me despeço porque já fui longe demais. É que viver é muito perigoso e às vezes a gente cai em armadilhas e mata o pai e depois só se pode furar os próprios olhos. Nota do Editor: Mariella Augusta é bacharel em Direito, mestranda da FFLCH (USP), escritora, autora de "O Fio de Cloto", livro de contos prefaciado por Bruno Fregni Basseto, grande filólogo e vencedor do Prêmio Jabuti. Publicou crônicas no "Jornal das Artes" e artigos em várias revistas acadêmicas.
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