A idéia nasceu quando embarcava em um ônibus. Da escada, avistou um dos passageiros apreciando um jornal. Em salientes letras, lera os escritos: precisamos de operador de telemarketing. Mande o seu curriculum vitae. Pensara: poderia narrar à história de alguém que enviou um curriculum enorme, contendo tudo que não sabia fazer. Boa idéia! E rumou para casa... A hora estava avançada. Em frente ao computador, em um digitar, de letra em letra, a crônica envolve o cronista. Estão apaixonados! Um cálice de vinho e uma boa música completam o cenário. O escritor desenvolve-a, germina-a lentamente. Já podemos notar a forma coloquial do seu corpo, pelo amontoar lógico das palavras. A concentração e a inspiração estão no ar. Os seus maiores segredos podem estar sendo revelados naqueles registros. Ou tudo pode não passar de pura ficção. A escolha pela palavra certa, a pesquisa nos livros e dicionários... Etc. Tudo isso pode demorar horas. Para simplesmente serem devorados em segundos, pelo tempo de um cruzar de olhos pelo papel... Apesar do prazer em teclar, o sono adia o fim... Olha-a pela última vez no solitário quarto. Ponto final. Reluta em separar-se da sua obra. Mas bem sabe que o público é sua sina. Por isso admira-a até o último segundo. Revisada, é enviada para a redação do jornal. O vazio da página oito é preenchido. E o destino é a gráfica. Do virtual passa para o material. Um papel. Às vezes com o sujar das mãos... O cronista fica a meditar: sua crônica será lida por alguém? Quem será esse alguém? Será que o leitor entendeu? Identificou-se? Será que ela cumpriu a função que a designou? Fez refletir? Fez sorrir? O orgulho e o sofrer confundem-se. O escritor morrerá com essas dúvidas. Escrever é sentir-se só no meio de uma multidão. E a multidão a julgar a sua expressional solidão... Consola-se: escrevo para o meu ego. Pensa! O jornal circula. Os escritos que por horas exigiram envolvimento entram a inimagináveis lares, na sua forma “adulta”, gerando reações e percepções. Casas desconhecidas, mas que de tal modo conhecem o autor, por seus pensamentos, por suas palavras, enfim, na mais pura intimidade... O autor pega um exemplar do jornal. Suas palavras timbram o papel. Orgulha-se. E não raras vezes, acha que faltou algo nos seus escritos. Logo refleti: estou precisando melhorar muito... O simples manifestar da leitura da crônica envaidece. Seja pelo falar, pelo escrever um e-mail, pelo telefonar. Fui lido! Se o leitor gostou, ótimo! Se não, pelo menos foi lida. Vaidade que dura até o iniciar do próximo título... E assim, a história repete-se... A crônica: encheu o pneu da bicicleta em um posto de gasolina. Parou um carro ao lado. Quando a porta fora aberta avistou-a a encobrir os tapetes. Pensou: está morta! A sorte é que está apaixonado por outra essa semana. Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista, escreve semanalmente para o site www.sulmix.com.br, e para diversos jornais.
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