Fiquei sabendo que as eleições se passarão no próximo domingo. Tomei de um susto e recobrei a cara. Porque afinal não fica bem desconhecer esse fato. Mas, pior ainda, seria acompanhá-lo. Que teria isso para me dizer, que contas têm que me pagar? São solvíveis? Que teria eu para depositar nas urnas, senão a decepção do sonho de outrora que foi sufocado ainda menino? Como poderia eleger alguém? Eleger quem? Por quais qualidades? Honestidade é artigo de luxo? Agora é virtude comparável às das musas. É coisa de ouro. Vende-se. Mas é sempre difícil comprar coisas caras. Com que coragem depositamos na mão do ourives o preço de sua garantida sinceridade? Quanto vale o que ele pesa? Acho que a nossa inocência é um preço muito alto. Sempre haverá quem macule nossa pureza de sentidos, nosso sono ignorante. Nossa lanterna obliterada por um pano negro reage sem saber que sente dor. Desconhecer, eis o pecado em que podem incorrer os inocentes - essas grandes vítimas prontas. Essa eleição, que nada está elegendo, porque ninguém há que mereça ser escolhido, é na verdade mais um exercício de suportabilidade ao qual os brasileiros estão desenvolvendo com sábia indiferença; esse jogo sem graça que nossos governantes têm jogado. E as pessoas estão deixando o brinquedo nas mãos das crianças para que elas possam quebrá-los. Mesmo porque elas os ganharam mesmo. Nota do Editor: Mariella Augusta é Bacharel em Direito, mestranda da FFLCH (USP), escritora, autora de "O Fio de Cloto", livro de contos prefaciado por Bruno Fregni Basseto, grande filólogo e vencedor do Prêmio Jabuti. Publicou crônicas no "Jornal das Artes" e artigos em várias revistas acadêmicas.
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