Espere aí! Vamos conversar um pouco sobre o pouco que nos resta de lucidez. Isso mesmo: lucidez. Seguimos nosso dia a dia sorumbático, chato, imerso em uma rotina que nos absorve por inteiro para que sirvamos a algo que nem ao certo sabemos o que é. Muitas das vezes nos dedicamos de maneira apolínea em atividades e estudos sem ao certo termos em vista o que realmente desejamos com isso. Simplesmente o fazemos para termos uma generosa progressão em nossa carreira profissional, em muitos casos para ter uma, ou para impor um “status” de pouca valia frente a uma sociedade de valia alguma. É uma legítima insanidade a forma como muitas das vezes nos entregamos ao deleite das exigências da vida dissolvente das coletividades. Tamanha é a loucura que somos capazes, com relativa freqüência, de assistirmos mais de um telejornal durante o correr das horas do dia e ainda sermos capazes de nos sentirmos plenamente informados sem nada ter compreendido, quando não assistimos a nenhum e, mesmo assim, nos sentimos habilitados a debater com todos sobre todos os temas que desconhecemos e que, por estranho que pareça, ignoramos orgulhosamente. Nem nos indaguemos quanto a leitura de um periódico ou de um livro, pois aí, seria loucura desse missivista levantar tal questiúncula frente a uma sociedade que idolatra figuras que se orgulham de sua douta absurdidade existencial. Alias, somos uma sociedade que se ufana por ser iletrada. Dio Santo! Como é comum vermos pessoas legitimarem sua preguiça epistêmica em uma petição de princípio às avessas afirmando que mais vale a sabedoria da vida do que o conhecimento dos livros. Raios! Então quer dizer que quem escreve um livro nunca viveu? Que os temas tratados em suas laudas relatam delírios da “terra do nunca”? Me desculpem, mas não dá para levar a sério uma sociedade como esta. Pior! Como falar em educação em uma sociedade em que boa parte das pessoas pauta o cingir de seus dias por uma vereda tão turva? Bem, se volvermos nossas costas para os delírios alienantes da sociedade e focarmos nossa atenção no indivíduo e em sua singularidade, poderemos, quem sabe, pelo menos mudar a nossa maneira de pensar a nossa peculiaridade em sociedade. Na singularidade de nossa existência reconhecemos a fragilidade de nosso ser, fragilidade esta que, por seu torno, inflama-se quando imerso nos delírios da coletividade, pois apenas aprender é, em si, um ato solitário, enquanto para agirmos de modo convicto, basta que uma multidão nos diga que estamos no caminho certo.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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