Nos anos 60, quando foi aberta a Estrada de São Sebastião até Santos, era costume de meu pai reunir alguns amigos com as famílias e passarmos o domingo no "Fim da Estrada". Eram piqueniques deliciosos numa paisagem exuberante de floresta densa e frutas silvestres. Meu pai encostava o caminhão em jabuticabeiras centenárias e nós arrastávamos pelos galhos fazendo chover jabuticabas na carroceria. As tardes se alternavam entre as praias de Guaecá, Paúba, Toque Toque, Maresias ou onde estivesse o fim da estrada naquela semana. Já nos anos 70, quando o tempo estava bom, a estrada ainda sem asfalto, tornou-se uma aventura para os jovens da minha época, poucos tinham carro e por isso organizávamos grupos para passeios na Costa Sul. Num desses passeios reunimos um grupo bom, é que o carro seria uma Veraneio. O Zazo, sócio da recém-inaugurada funerária resolveu que faríamos um passeio com o carro funerário. No domingo, lá estávamos nós: Neno, Contra-Pino, Nena, Álvaro Lingüiça, Lílian, Odília eu e outros que já não lembro. Depois de um momento de gozação, afinal a Veraneio azul-clara era pintada com cruzes douradas e tinha cortinas com franjas em todas as janelas, o que causava um certo mal-estar, mas enfim, vencidos pela alegria do passeio seguimos pela Estrada, alvoroçando os pássaros com a sirene do carro. A idéia era chegar em Maresias e procurar a Dª Laudelina, Comadre de minha mãe - O marido dela costumava vir a pé (39 quilômetros) até o Centro para vender farinha de mandioca e peixe seco - com certeza na casa dela compraríamos peixe, farinha, passarinhos e gaiolas depois daríamos um mergulho e voltaríamos. Não sabíamos ao certo o endereço e chegando na igreja fomos logo perguntando... Para nosso espanto ao falarmos o nome da mulher, formou-se um alvoroço no local, as pessoas corriam na frente do carro em direção a casa. Chegando lá, numa casa simples, cheia de criação solta pelo quintal, não vou esquecer nunca, que quando ela nos reconheceu levou o avental ao rosto e veio chorando em direção ao meu irmão. Depois que ela se acalmou, soubemos que seu marido fora internado na sexta-feira no Hospital de São Sebastião. Quando finalmente foi esclarecido que tudo não passou de um triste engano, fizemos nossas compras e voltamos daquele passeio difícil de esquecer. Na semana seguinte recebemos a notícia do falecimento do Compadre. Nota: O texto recebeu o 1º Prêmio no Concurso da Prefeitura / 2000, em São Sebastião (SP).
Nota do Editor: Maria Angélica de Moura Miranda é jornalista, foi Diretora do Jornal "O CANAL" de 1986 à 1996, quando também fazia reportagens para jornais do Vale do Paraíba. Escritora e pesquisadora de literatura do Litoral Norte, realiza desde 1993 o "Encontro Regional de Autores".
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