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Crônicas
10/10/2006 - 05h42
Campanário
Luiz Guerra - Agência Carta Maior
 

Com a nova pintura externa - creme com frisos cor de ouro velho -, nossa igreja católica deste lado de Marechal Hermes envelheceu lindamente uns cento e cinqüenta anos, deixando sem fala até os ruidosos militantes da preservação a qualquer custo.

E não era para menos.

A pintura antiga, cor de sílica, destoava completamente dos prédios em volta, sobretudo o Teatro Armando Gonzaga (autoria do arquiteto Affonso Eduardo Reidy e jardins de Burle-Marx, inaugurado em 1954) e o Hospital Estadual Carlos Chagas, provocando em muitos paroquianos, como confessaram a este cronista, a vontade de comprar uma lata de tinta e acabar com aquele horror.

Iluminada por baixo, a partir do adro, a torre do velho campanário dá um show de beleza à noite, elevando-se do alto das árvores da pracinha do teatro e dominando toda a vizinhança. Quem chega ao bairro nos últimos trens noturnos pode agora orientar-se por esse vislumbre de saudade. Aliás, todo campanário é mesmo saudade, saudade de tudo, sem tempo nem alvo determinado.

Tenho um olhar deliciosamente quasímodo para esta torre. Brinquei muito ali em começos da adolescência, levando os padres à loucura. Nos longes de 1961, com os meus treze de idade, subia escondido ao campanário para tocar o sino, nas horas mais desencontradas do dia. Em questão de minutos, via-me cercado por irmãos leigos, que me retiravam do poço na base do cascudo e dos puxões de orelha. E eu tinha mesmo orelha de sobra para todos eles; nem precisavam revezar-se para aplicar o castigo.

Creio que foi por isso que me apaixonei, à primeira linha, por Pedra Bonita, de José Lins do Rego. O romance começa justamente com o garoto Antônio Bento tocando o sino da igreja do Açu, manhãzinha cedo, e o episódio torna-se quase um estribilho de toada ao longo de toda a narrativa, um belo intermezzo no conjunto da obra desse grande escritor. Leio sempre Pedra Bonita.

Hoje não me afasto mais da vizinhança da igreja. Do meu posto de observação no Fred’s Burger, tomando minha água tônica, acompanho o entra-e-sai dos paroquianos, muita gente nova na parada, muito programa social, muita novidade litúrgica para atrair os fiéis, e esse campanário cheio de luz, lá no alto, o meu livro de pedra.

Devo confessar que não costumo ir ao templo, mas sou um pouco riobaldo-tatarana nessas coisas santas, bebendo água de todo rio. Filho de pai protestante com mãe umbandista da linha nagô, fui também batizado e crismado entre os católicos, além dos meus flertes de juventude com a teosofia. Isso é que é corpo fechado e alma prevenida.

Religião, mesmo, só o campanário.

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