Nosso país está doente pra cacete. E, arriscarei aqui dar um nome para esta pestilência da alma brasileira. Chamarei a danada de síndrome de Charles de Gaulle. Isso mesmo, todos nós, mesmo que não tenhamos vivido o período em que o general-presidente francês esteve no Brasil, conhecemos a famosa frase que é atribuída a ele, aquela de que o Brasil não é um país sério. Ora, a impressão que se tem é que a sociedade brasileira ao invés de envergonhar-se de tal impressão deixada e procurar melhorar, faz o contrário, como se, ao invés de ter sido uma crítica a nossa forma de ser nação, imaginamos que tais palavras fossem uma forma de elogio devido a tendência ao gosto pelo exótico que o temperamento francês em média tem e como se o desconcerto de nossa sociedade fosse algo exótico e não deprimente. Começamos com o resultado das urnas do primeiro turno. Paulo Maluf eleito o deputado federal muito bem votado. Pior que ver esta cena é vermos comentaristas sérios como Márcio Coimbra (editor do site Parlata) afirmar antes do dia do sufrágio em uma entrevista em um programa da Rede Vida que seria importante à presença deste senhor juntamente com a de Fernando Collor no Senado. Além destas figuras temos aí novamente Jader Barbalho e Paulo Cunha também consagrados nas urnas. Realmente, a seriedade está descartando de seu repertório as virtudes como critério para escolha de seus representantes. Quanto à eleição presidencial e para o governo dos Estados da Federação (de maia-pataca), tivemos a apresentação de biografias (idem.), acusações de ordem pessoal (caprichadas) e a total inexistência de um plano de governo de fato. Cada qual tinha um troço feito nas cochas como as xipas paraguaias. Aliás, penso eu que, para que um pleito em nosso país começasse a ter um pingo (pelo menos) de seriedade, uma candidatura deveria ser apenas registrada juntamente com um plano de governo que vincularia a sua ação durante a possível governança. Idem para os cargos legislativos. Penso que seria um passo simples e interessante. De mais a mais, pelo que vem se desenhando, o segundo turno vai ser tão só um momento que nos tornaremos mais "convictos" de nossa falta de seriedade. No caso, o PT vai partir para o ataque. Vemos isso pelas prévias do segundo tempo desta pelada politiqueira. Ao saudar a adesão de Sérgio Cabral, candidato do PMDB ao governo do Rio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, se eleito, Geraldo Alckmin vai demitir funcionários públicos e cortar salários. Em São Paulo, Marta Suplicy, coordenadora da reeleição no referido Estado, afirmou a uma platéia majoritariamente de migrantes, que o tucano, se presidente for, vai cortar o Bolsa Família e convocava-os a ligar para suas famílias, nos Estados de origem, e repetir o que ela dizia. Trocando por dorso: terrorismo político puro. De que modo os tucanos reagem? Apresentando a visão de uma possível ação? Não. Alckmin, para defender-se diz apenas que é "mais de esquerda" do que Lulla. Meu Deus! Agora neste país afirmar ser de esquerda tornou-se sinônimo apolíneo de competência e honestidade mesmo que a história universal e os acontecimentos recentes provem literalmente o contrário. Até quando vamos alimentar este mito de benevolência em torno da canhota? Tal situação deixa qualquer um (depre)cívico. Qualquer um que tenha o mínimo de discernimento. Não pelo cenário político em si, mas pela forma como a sociedade reage frente a isto, visto a grande possibilidade de termos o coroamento do rei molusco para mais quatro anos de mandato para dar assim continuidade ao seu projeto totalitário, que ele e suas hostes chamam de "popular". O pior de tudo: se um indivíduo resolver anular o seu voto, não por protesto, mas simplesmente por partir do princípio da representatividade (vide: "O governo Representativo" de John Stuart Mill), será tachado alienado ranheta. Ora, aí eu mais uma vez, sorumbático, me indago: se o voto, dito válido, é tão sério, por que em todos os debates públicos (televisivos ou não) nunca foi convidado um defensor do direito a anular o voto obrigatório se o eleitor crê ser mais conveniente com a sua consciência pessoal? Aliás, que debate democrático é este que ridiculariza uma posição política (o voto nulo) sem dar espaço para que esta possa ser exposta e defendida pelos seus partidários? Bem, esta é a bela democracia brasileira meus caros, onde ser contra o Lulla tornou-se sinônimo de golpismo (no dicionário petista) e votar nulo uma literal sublevação a ordem (?).
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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