Uma coisa que está se tornando bastante comum por aí é o seguinte. Por exemplo, o dono da padaria é pego em flagrante, comprando farinha sem nota fiscal. Como se sabe, vender ou comprar coisas sem nota fiscal é crime nesse país. Se é justo, injusto, exagero ou não, isso é papo para advogado. Mas comprar farinha sem nota fiscal é crime e pronto. Está na constituição e tudo o mais. Aí os fiscais pegam o dono da padaria comprando farinha sem nota, chamam a polícia para dar o flagra e dão a maior multa em cima do cara. Aí, quando a gente fica sabendo, a gente fica é com raiva dos fiscais. - Pombas, num país em que se compra dossiês por milhões de dólares, o que é comprar uma farinhazinha sem nota? Ou quando a gente vê aquela notícia de um cara que entrou no supermercado e foi pego roubando umas coisinhas, um mp3, um tênis, um DVD, e a gente dá um sorrisinho para a esposa e diz, num tom meio irônico: - Eles só pegam mesmo quem rouba pouco... Ou então aquela nossa amiga que traz umas coisas do Paraguai. Trazer coisas do Paraguai, não sei se você sabe, é o que se chama de contrabando. A palavra é meio forte, eu sei, sobretudo para designar a profissão da coitada da nossa amiga que, depois que o marido deixou, não tem outro jeito de ganhar a vida, e sempre foi tão honesta, coitada, traz as coisas certinho e, se der defeito, ainda troca e tudo o mais. Mas é contrabando. E contrabando é um crime punível com multa e detenção de três a oito anos. Mas aí acabam pegando a nossa amiga ali na alfândega e o que é que a gente fala? - É, trazer aí uns brinquedinhos do Paraguai não pode, mas trazer dólar na cueca pode? O problema é justamente esse. Não pode. Não pode trazer dólares na cueca. Não pode comprar dossiê. Mas também não pode fazer contrabando, nem roubar supermercado, nem comprar coisas sem nota. Senão a coisa vira uma bagunça de vez. A gente vê as porcarias que os caras fazem lá em cima e começa a achar que agora vale tudo. Não vale. Quando a gente começa a se comparar com esse tipo de gente, perdemos a noção de civilidade. E eu ainda sou civilizado, oras. Pelo menos, gosto de pensar que ainda sou.
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