Agradecido a Deus, cedo hoje este espaço ao meu filho Fabrizio, 26 anos, músico. Os fatos, reais, aconteceram no último dia 4 e são mais uma prova de que precisamos mudar o Rio de Janeiro, submerso há tempos em absoluta insegurança. "Acordei, gravei uma música nova em casa, fui à faculdade de produção fonográfica que curso, buscando informações para minha profissão tão suada. De lá, voltei de ônibus pra casa, cansado por não ter dormido na noite anterior, que rendeu três músicas novas para o Som da Rua (compondo, produzindo, evoluindo, sempre!), me aprontei para a passagem de som na Melt, no Leblon. Som da Rua e Os Britos! Noite musical perfeita, com realizações e alegrias, amigos, celebridades, os companheiros de banda... Curtição no palco, uma canja com os Britos, com a música "Oh Darling". Tudo soando muito bem aos ouvidos de todos, transmissão de mensagens músicos/público perfeita, um céu, um mar, umas pedras, um mundo de arte. Após o show, uma passada no Fornalha pra comer uns salgados, uma carona dada até o Grajaú e então sim, o caminho até minha casa, depois de um dia inteiro e de encharcar a camisa com o suor do peso dos teclados que carregava comigo em meu carro sem seguro. Seguro? QUEM ESTÁ SEGURO? Não basta ser um cidadão de bem, você nunca está seguro! E seguro em fé, seguro em Deus, seguro nos amigos que já se foram, nos que estão aqui, seguro no corrimão incendiado, no implorar pela vida! Seguindo por um caminho em direção à minha casa, uma pausa. E tudo parou, e piscou, e embaçou e tudo me fez crer que o rapaz com a arma em punho, mostrando-me o lado interno da semi-automática, iria me dar de presente um ponto final. "Sai do carro! Entra ali! Sobe essa ladeira! Anda! CALA A BOCA! NÃO TENTA NADA! DEITA NO CHÃO! Me dá a carteira! Me dá o celular"! Como um cão implorando por um pedaço de vida, segui as ordens. Que ordens são essas que são dadas até para as autoridades? Onde estão as autoridades? Eu, lá em cima, ali, deitado, sem nada. No carro lá fora alguns teclados ainda suados do show. Eu, esperando o impacto da bala em meu corpo, o pingo do ponto final no papel, tive a luz, tive a dica, tive uma voz que me fez dizer: Eu - Pelo amor de Deus! Sou músico, estou passando por aqui, estou indo para casa. Assaltante - "CALA A BOCA, RAPÁ! VÔ DÁ SÓ NA TUA CARA! NÃO TENTA NADA"! Eu - Mas meu irmão, pelo amor de Deus! Sou amigo dos caras do Detonautas, conhece? Lembra do NETINHO? Pois então, era um grande amigo meu. Por que não toma uma atitude diferente dessa vez? Olhando para meu carro lá na rua, o assaltante observou o adesivo amarelo e branco, com um ET preto e os dizeres: Detonautas Roque Clube... Um ar, um vento, uma luz passou e me salvou. Todos os pertences entregues, teclados intactos e o carro idem. Respeito? Fui respeitado? Fui valorizado como músico e cidadão? Ou fui poupado, pois poderia complicar pro lado deles? "Mais um músico morre no Rio" não iria ficar bem pra eles nos jornais. E assim sendo, tudo aquilo foi só uma cena de um próximo capítulo, pois amanhã acontecerá com outro!... Um capítulo de uma novela que todos já não suportam, todos sabem, todos temem, mas todos não fazem NADA! A quem eu agradeço? Claro, a Deus, sempre. Mas também aos assaltantes, à polícia que não chegou na hora, pois poderia ter atirado em mim por engano, ao Tchello, pela amizade e por um dia ter-me dado o adesivo da banda. Agradeço aos meus amigos por serem batalhadores, ao Som da Rua, porque na hora H foi só o que me veio na cabeça! Agradeço por poder seguir aqui com vocês. Pois quem tem a arte vive o seu próprio capítulo! Vou encerrar, o sol já está raiando, iluminando meu quarto. Preciso dormir." Nota do Editor: Ubiratan Iorio é Doutor em Economia pela EPGE/FGV. É Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ e Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP), Professor Adjunto do Departamento de Análise Econômica da FCE/UERJ, do Mestrado do IBMEC, Fundação Getulio Vargas e da PUC/RJ. É escritor com dezenas de artigos publicados em jornais e revistas.
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