Em sua obra "Da moral em Economia", José Osvaldo de Meira Penna, de maneira bem humorada, dizia-nos que poderíamos classificar as sociedades em quatro tipos ideais. Um primeiro tipo seria o daquelas onde tudo é proibido, exceto o que é permitido e, aponta como exemplo, o caso da Inglaterra. Haveria então, um segundo, onde tudo é permitido, exceto o que é proibido. A Suíça, neste caso, seria um espécime exemplar. Um terceiro tipo seria as das nações onde tudo é proibido, inclusive o que é permitido. No caso, a nação que nos serve de exemplo deste "tipo ideal" de sociedade seria a ilha cárcere de Cuba (logo a Venezuela chega lá). E, por fim, temos os países onde tudo é permitido, inclusive o que é proibido. E, neste caso, nós nos encaixamos como uma luva na mão de uma rapariga. Não afirmamos isso tão só com relação a determinados resultados advindos das eleições deste ano, visto que, este resultado seria tão só um reflexo de nosso comportamento cotidiano e da forma como nos relacionamos com o fenômeno político. E, sendo assim, a nossa casta política seria apenas um reflexo turvo da nebulosa sociedade brasileira que forjamos em nosso caminhar de passos movidos pela nossa desídia existencial. Não comungamos de modo algum da tese pacóvia de que a nossa casta burocrática patrimonialista realize sobre o corpo societal uma dominação unilateral praticamente imutável. Ela é sólida e obtusa, sim, mas não impermeável, visto que, esta, enquanto parte da sociedade, é susceptível a dinâmica das mudanças quanto a longas durações tanto quanto é a própria sociedade civil. Por isso, apesar de ser de conhecimento público e notório é sempre salutar lembrar que a moralidade que rege a vida política é, de modo sutil e direto, a mesma moralidade que rege a sociedade, pois, ambas fazem parte do mesmo todo e, de modo conseqüente, encontram-se imersas na mesma atmosfera cultural. Ora, como nos aponta o filósofo Richard Rorty: "Pais nazistas acharam fácil transformar seus filhos em pequenos monstros conscientes. Em alguns países, os jovens são levados a acreditar que eles têm a obrigação moral de matar suas irmãs impuras. Exemplos pavorosos como esses sugerem que a moralidade é uma questão antes de cultura do que de natureza". Mesmo tendo grandes reservas quanto a filosofia deste senhor, sinto-me obrigado a concordar com as suas palavras que, simplesmente refletem um traço perverso e cínico de nossa alma. Obviamente que não estamos a afirmar que nossa sociedade seja protonazista. Mas estamos chamando a atenção para o fato de que quem ensina o que é política para nós, somos nós mesmos enquanto sociedade. Ora, quem ensina para os nossos filhos que o importante é levar vantagem em tudo? Quem ensina para os nossos filhos que em uma eleição nós devemos procurar candidatos que nos prestem alguma forma de favor? Quem ministra as almas tenras que o parentesco é critério basilar para se votar em alguém? Quem? É nós na fila mano. Obviamente, que tais lições não são ensinadas diretamente (com direito a cuspe e giz). Estas lições são ministradas através de nosso comportamento rotineiro, através de nosso exemplo, de nosso comportamento diante do fenômeno político e em atos corriqueiros. Por exemplo, o que é um aluno negociando nota junto a mesa de seu professor senão um balcão de negócios similar ao que foi o mensalão? O que é o gesto de uma pessoa furar a fila porque o caixa é seu conhecido senão uma forma diminuta de tráfico de influência? Exagero? Tudo bem. Então pode continuar a acreditar que somos simplesmente dominados por homens malvados e corruptos que existem em uma realidade distante da nossa e que o tipo apontado por Meira Penna nada tem haver com a maneira que nos portamos em sociedade. E se esta for a crença geral, então que continuemos a nos ver como vítimas "inocentes". Tão "inocentes" quanto descaradas, pois, quanto mais afirmamos nossa inocência, mais desesperadamente dissimilamos para ocultar a nossa culpa nesta meleca toda.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
|