Deve-se ter lucidez, ainda que roxos pântanos suportem as velhas árvores que a nenhum homem alimentam. Porque a clareza pode em qualquer escuridão - na escuridão mesma das tragédias. Deve-se inventar um jogo, sabendo que com as regras virão os jogadores. E deve-se amar os jogadores com um amor de pai. Deve-se querer a continuidade do feito. Uma obra não se encerra em si mesma. Ela deve gerar nos olhos dos que a não fizeram. Deve-se, por condição que se decorre óbvia das já ditas, ter acuro. Deve-se surpreender-se quando da sua confecção. Deve-se encontrar o conceito íntimo e universal do belo. E sim, isto é um grande problema. Deve-se procurar a liberdade o que quer que isto seja. Ela me parece algo o estado de quem sonha. Deve-se contar um segredo. Deve-se dever. Pois é somente com a vida como credora que lha pagamos. Nossos versos e nossas tintas são oferendas gratas, lançados ao ar, que é a maior unidade que conhecemos. Nota do Editor: Mariella Augusta é bacharel em Direito, mestranda da FFLCH (USP), escritora, autora de "O Fio de Cloto", livro de contos prefaciado por Bruno Fregni Basseto, grande filólogo e vencedor do Prêmio Jabuti. Publicou crônicas no "Jornal das Artes" e artigos em várias revistas acadêmicas.
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