Ciência e tecnologia no Brasil nunca tiveram muita sorte. Para começar, até mesmo a difusão do conhecimento só se fazia com muita dificuldade, pela simples razão de que era proibido imprimir livros na colônia. Felizmente, Napoleão nos ajudou: invadiu Portugal, o rei dom João VI e a corte tiveram de vir para o Brasil em 1808. Foi criada a Imprensa Régia, surgiram escolas de Medicina e jardins botânicos, onde plantas eram estudadas. Mas pesquisa científica mesmo só começou no fim do século 19, com o Instituto Oswaldo Cruz: eram tantas as doenças transmissíveis, que o governo teve de voltar a sua atenção para a pesquisa em saúde pública. Em outras áreas, continuávamos atrasados. Não por falta de cérebros: tivemos Bartolomeu de Gusmão, e o padre Landell de Moura, e Carlos Chagas, e alguns outros heróicos e dedicados pesquisadores. Mas o Brasil não era considerado um reduto da ciência e da tecnologia, como o eram os Estados Unidos e os governos não investiam no setor. É por isso que o feito de Santos-Dumont, agora lembrado em todo o país, se revela tão importante. É verdade que o vôo do 14-Bis ocorreu em Paris; mas sua carreira começou no Brasil, já na infância. Era filho de Henrique Dumont, um engenheiro de obras públicas e proprietário de uma fazenda. Foi brincando com as máquinas agrícolas dessa fazenda que o menino Alberto começou a se interessar pela mecânica. Interesse que o pai notou e estimulou. O jovem estudou física, química e eletricidade. Seu talento fez o resto, e ele colocou o nome do Brasil na história da ciência e da tecnologia. Agora: nem todos os pais teriam a sensibilidade e a visão de Henrique Dumont. Muitos diriam algo do tipo "larga essa bobagem e vai fazer uma coisa séria". E talvez acrescentassem a frase que, há alguns anos, deu título a um filme famoso: "Voar é com os pássaros". Existe uma lição aí para todos nós, pais, mães, educadores. Precisamos aprender a reconhecer as potencialidades das crianças, mesmo que elas pareçam estranhas, inusitadas. Precisamos estimular talentos, dar condições para a criatividade. De repente é um Santos-Dumont que está em incubação diante de nós. Um detalhe curioso: Santos-Dumont não foi só o pai da aviação. Ele introduziu o relógio de pulso. E de novo, nisto ele era diferente. Relógio, no Brasil, foi uma coisa que demorou muito a ser adotada e quase nunca funcionava direito. Aqui em Porto Alegre, numa época, tínhamos uma meia dúzia de relógios públicos. Nenhum deles marcava a hora certa. Santos-Dumont sabia que era importante voar, mas sabia que relógio também era fator de progresso - e de seriedade. Era, claramente, um homem sintonizado com seu tempo.
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