12 minicrônicas politemáticas
A pequena Larissa, a Jade e o Lorenzo discutiam se o homem veio do macaco, da borboleta ou da maçã. O debate estava pegando fogo, quando o pai do Lorenzo, passando distraidamente pela sala interferiu: - Olha, vocês eu não sei de onde vieram. O que eu sei é que eu vim da Dona Dolores. * O azul fulgurante nas asas da borboleta baila na brisa suave que perpassa a lâmpada onde está pendurada, projetando a sombra fantasmal, destituída de suas vibrações. Talvez ela passou nestes campos verdes de tantas formas, tantos matizes, e jamais olhou num espelho d’água o brilho azul que a impulsionava para essa morte na teia de aranha. * As almas boas passearão à beira do lago do Éden, com que pernas? Beijarão os beijos mais longos nos lábios mais doces, com que bocas? Abraçarão as almas de seus bem-amados, com que braços? Se terei de tornar-me alma, que aprenda antes os seus desejos de alma e esqueça o ardor das coisas vivas, que atiçam fogo no meu corpo de palha seca. * Imagine a seguinte situação: de um lado estão os guerreiros ateus, que lutam contra as maldades - assassinato, corrupção, estupro - promovidas pelos guerreiros que acreditam em Deus. Agora imagine a situação de Deus numa situação dessas. * A ética não é um bolo que repartimos segundo as conveniências de cada circunstância. A ética é a faca que corta o bolo e o divide em partes justas entre todos os circunstantes. * A coragem não é apenas um instrumento para a realização da Justiça. A coragem é, antes de tudo, um dom e uma recompensa. * Stanislaw bebeu da fonte da vida eterna. Quando lhe caiu uma geladeira na cabeça, ele levantou e saiu andando. Depois estourou a guerra atômica e Stan ficou no meio os destroços, respirando aquele ar horrível durante mais de três séculos. Passava muita fome e frio. Depois o sol se apagou, a Terra virou uma bola de gelo e Stan continua lá, paralisado na escuridão, pensando, pensando... * Eu estava andando pelas ruas de uma cidade de mulheres dissimuladas e homens evasivos, quando ouvi, numa esquina, o grito desesperado do meu colega Tassílio. - Amor! Por que ninguém mais fala em amor? Vi, então, surpreso e feliz, que Tassílio continua fiel ao que pregava em suas evoluções adolescentes. Amor, a imponderável existência de um doce de baunilha no meio de uma montanha de sal! Rápido, pegamos o esquadro e o compasso e fomos criar a logomarca do amor, para que ele sobreviva entre nós, ainda que na forma de um símbolo. * O amor, um coração rosado e gordo. Mas na vida, o amor nasce tantas vezes num só dia, tantas vezes morre num segundo, tantos gestos o compõem, tantas palavras o desdizem, tantos mistérios o proclamam, tantos silêncios o encerram... * O apogeu do leite está no subir e derramar-se. Quando afasto o copo do fogo, estou interferindo num caminho de plenitude (embora eu quase nunca chegue a tempo para desligar a chama!). Quando aparo a grama, estou frustrando um desejo de ser floresta. Meu corpo encontra seu clímax quando relaxa, estirado na cama, aprofundando a noite nos sonhos do meu passado. Mas vem o sol e me retarda para o dia em que estarei completo, preparado para o grande salto. * Quando a estrela mais bela e brilhante descer sobre nossa casa, e ainda estivermos regando as rosas e os girassóis, poderemos abrir as palmas, espalhar os lírios, entoar o hino dos homens que não têm nação, não têm partidos, nem terão epitáfios... mas que passam os melhores dias de sol sob as sombras escrevendo sobre o paraíso. * Existem os fidalgos, filhos de algo. Na cadeia evolutiva, prefiro ter-me como filho das algas, das minhocas, dos peixes, dos dinossauros, das aves e dos orangotangos.
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