Para além das paixões eleitorais o analista da cena política brasileira precisa decifrar os sinais que esse complexo processo eleitoral legou. É verdade que muitos lugares-comuns foram desacreditados. O Brasil que emergiu das eleições não é um país dividido. Lula não é candidato apenas dos pobres. E o eleitorado que o sufragou negou o mesmo voto ao PT em muitos lugares, bem como também a aliados de primeira hora, como os Sarney no Maranhão. Há muitas nuanças que precisam ser devidamente apreendidas. Penso que a compreensão do que está em curso requer o resgate da teoria das gerações de Ortega y Gasset (ver em El Tema de Nusetro Tiempo, de 1923). O filósofo propôs que a cada instante existem pelo menos três gerações coetâneas, em luta entre si, e é ela que dá a dinâmica do processo histórico. Essa luta é antes de tudo pelas idéias que norteiam os princípios basilares do grupo social. Quando uma nova geração entra em cena o choque é inevitável e velhos valores tendem a ser suplantados, vindo em substituição os novos. O processo político é mera epiderme que se constitui quando o corpo de idéias já está formado, muito antes no tempo. Não há dúvida nenhuma de que o longo reinado dos socialistas que se inaugurou com a Era FHC e teve continuidade com Lula representou o apogeu da geração que chegou ao cenário político nos anos sessenta. A geração que então estava no poder no Brasil era francamente favorável ao liberalismo econômico, era conservadora na moralidade, anti-comunista e defensora dos valores cristãos. Já os jovens que adentravam a faixa dos vinte anos traziam o novo evangelho materialista bebido em Lênin, Marx, Gramsci, Nietzsche, Escola de Frankfut e estavam embalados na romântica revolução cubana e esta, por sua vez, fazia eco com a revolução soviética. Esses jovens são hoje os governantes. Venceram. Lula, assim como José Serra e todos os socialistas companheiros de geração coroaram o processo nesse pleito. São agora os donos do poder. O problema é que as suas idéias estão em desacordo com a verdade da alma e têm um elemento de irracionalidade evidente. O socialismo não se sustenta como sistema econômico. A democracia não resiste ao populismo por muito tempo. O Estado não pode ser impunemente posto a serviço de interesses de grupos menores, ignorando os interesses gerais, sem causar conflitos duradouros e de grande envergadura. E é isso que está acontecendo. Quando essa conjunção de fatores ocorre é fácil prever que a geração que agora chega à faixa dos vinte anos empunhará as idéias opostas, além do que terá a favor de si o calor das crises que tenderão a surgir como fruto do desajuste da ação política com as verdades da alma, desgastando os atuais donos do poder. A correção dos desequilíbrios que foram formados poderá demandar solavancos violentos, ensejando graves comoções políticas. Um exemplo que me parece óbvio é a questão da Previdência Social. O sonho de todo mundo é ficar pendurado no sistema e garantir o seu, mas isso é impossível quando os critérios de acesso aos benefícios são estendidos para um conjunto muito grande de pessoas sem financiamento sustentável . Não será possível um ajuste exclusivo pelo lado da receita, embora pareça claro que será esse o caminho que Lula trilhará. Tentará minimizar os desequilíbrios elevando impostos. Mesmo que o consiga, e a história econômica mostra que é sempre possível elevar ainda mais os impostos, estará apenas adiando mais um pouco o encontro com a realidade. É de fato chegado o momento de se reduzir benefícios e se rever concessões para aqueles que não fizeram contribuições proporcionais. Toda a gente sabe, racionalmente ou não, que o status quo nessa área não poderá permanecer. Daí porque Lula se deu tão bem quando tocou no quesito das privatizações no seu discurso eleitoral. Lula amarrou seu destino na defesa dos privilégios inaceitáveis de seus contemporâneos, aquela geração da qual faz parte e que já usufrui há algum tempo dos benefícios espúrios da aposentaria concedida ao arrepio das contribuições justas. Não creio que os brasileiros se comovam meramente com a privatização de empresas. O ponto aqui era outro e ficou implícito: é a garantia que o Estado dá ao conjunto de privilégios que um largo grupo se beneficia: funcionários públicos, aposentados, “anistiados”, empregados de empresas estatais e seus familiares. Lula disse a essa gente que ele garante os privilégios e que tem a ilusão de que os mesmos são direitos adquiridos, que resistirão à realidade do ajuste. Os beneficiários das muitas bolsas são também afiliados desse sistema de rentismo sem capital, de diretos adquiridos contra aqueles que trabalham e pagam impostos. Pagam seus privilégios com o voto nos socialistas. Uma situação absolutamente injusta e insustentável, cujo final deverá ser uma completa reforma, uma metanóia política. A luta da nova geração, que é a geração que está pagando a conta, é fazer valer o novo conjunto de valores, que deverá necessariamente se opor aos da geração ora no poder. Terá que ser conservadora, privatista, resgatar os ideais cristãos, empunhar os valores do empreendedorismo e da liberdade. Será a negação do socialismo vigente. Essa mutação geracional, todavia, não deverá ser feita sem dor. Haverá crises. Aliás, as crises é que provocarão a mudança de poder. Poderá haver movimentos políticos ríspidos. Haverá choro e ranger de dentes. Esse movimento está posto em marcha, o futuro está sendo construído agora. E o futuro derrotará os atuais senhores do poder, pois as condições objetivas que legitimam a sua ação política passarão por rápido e profundo desgaste. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias
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